"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

DO QUE CABE NA JANELA


[Imagem - Pessoa na janela - Salvador Dalí
Vídeo -A Thousand Beautiful Things 
- Annie Lennox]

Tudo cabe na janela.
O aveal no qual delira a loucura em disparada,
Soltando espigas.
O trigal onde a beleza a encontra
Para explodirem
Panapanás.

Lisérgicos, cabem na janela
Os garanhões selvagens, libidinosos,
As potras castanhas em cujas crinas
O vento vem assentar
Para fazerem avoar
Seus perfumes de cio.
[E os machos vêm].

O espetáculo sinistro da lua engolindo o sol,
Do sol comendo a terra para ela
Em eclipses de prazer e escuridão.
O falo de luz da estrela hermafrodita
Em si mesma penetrado,
Gozando os primeiros fachos
Na aurora e na vidraça,
Fertilizando-as.
Cabem na janela.

E os automóveis que passam
E toda a gente da ruas e das praças
E as sirenes dos operários das fábricas;
Seus uniformes, suores,
Sua lascívia contida pelas linhas de montagem,
Bem guardada para a noite.
E seus pares, latejantes, que aguardam
Cheirosos, limpos, acolhedores,
Cabem na janela.

Cabe na janela o cão ladrando para tudos e nadas.
O sinal vermelho
A poucos metros de interromper a vida
Somente pelo capricho de vê-la gastar-se
Inutilmente. Depois seguir.
Os moços oferecendo seus volumes,
As cortesãs modernas subindo barras de saias;
E o preço que cobram,
Nunca alto em demasia.

A quietude pondo ovos
No interior da casa.
Os grilos de todos os barulhos externos,
Como se fossem arrulhos,
Pombos inimagináveis.
O neon escarlate
Feito minha brasa que não arrefece
E a neblina que, sutilmente,
Cristaliza o vidro em alvo-úmido,
Cabem na minha janela.

Cabem na janela
O barco a ponte o mar o céu de plúmbeos matizes;
A madeira amontoada da casa que se foi,
O visgo das emoções castiças
Deflorando a perenidade e a tornando adulta.
O espelho asfáltico que a chuva deixa,
Fazendo colares dourados com lâmpadas elétricas,
Cabem na janela.

Só não cabe na janela
A necessidade. A necessidade explosiva
De estilhaçar. De trazer tudo cá,
Para dentro
De mim.

[Dos: POEMAS RECÉM-NASCIDOS]


8 comentários:

João A. Quadrado disse...

[o mundo inteiro, essa imensa janela para o universo em expansão]

um imenso abraço,

Leonardo B.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Leonardo,

O mundo inteiro, cabendo, contendo e estando contido em nossas retinas-janelas. Trancadas ou não.

Super abraço.

Neuzza Pinheiro disse...

um poema olhando a janela, Agnaldo, em homenagem ao seu, querendo acomodar o mundo lá dentro

tão fundo este azul

pode ser dentro de mim
o céu desabando
-.-.-.-.-.-.-

e...Annie Lennox, poxa, Agnaldo, linda assim, tão majestosa, com blusa de petit-pois, com esse timbre e cantando essa canção...o sábado começa bem!
E essas mulheres, esses vocais?
Uma levada latina, caliente como nosotros
Emociondíssima. É uma de minhas preferidas.
PS: please, poeta, deixe um endereço pra onde eu possa te enviar o meu Olodangoe o livro PELE&OSSO, que está chegando por aí, enfim! neuzzapinhero@gmail.com

um beijo e admiração

Anônimo disse...

Ah, mas de toda forma eu quis, fui utópica e me esparramei nessa sua janela abissal.
Que lindo poema!

Beijo.

Eliane Furtado disse...

Ah o olhar através de uma janela...Enxergamos o que ninguém pode ver!
Adorei.
Td Bem Poeta?

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Neuzza querida,

Pois, olha, me aproprio do sentimento. Pode ser dentro de mim o céu desabando. Pode ser o sol desabando, o universo inteiro ruindo, tingindo tudo com suas cores cruéis e cintilantes.

É lindo isso, e me aproprio sem vergonha ou escrúpulo. Quero a imagem como se ela tivesse saído de minhas próprias carnes.

E Annie Lennox... Ah, deixa para lá. Essa mulher, com essa voz, com esses cabelos curtos e essa aura de anjo indeciso entre bem e mal... Não merece comentário, só admiração de minha parte.

Já mandei o e-mail, o endereço, um pedido de adição no orkut e uma ansiedade de metro e meio para conhecer e saborear coisas novas suas.

O domingo começou bem. Muito bem, aliás.

Super beijo.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Lara,

Queira sim, e se esparrame o quanto baste, porque a janela não é minha, é coletiva; é menos particular do que parece.

Super beijo.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Eliane, Eliane...

Enxergamos o que mais ninguém pode ver... Apesar de algumas paisagens serem de propriedade da coletividade, a interpretação delas, a maneira com que se as enxerga é estritamente pessoal.

Por aqui tudo em paz.

Espero que seu "retiro" tenha sido delicioso.

Super beijo.