Tornava para casa depois de um dia de quase tudo. Um dia de agenda. Nem bem atraquei à margem do portão, me interrompe o moço da guarita. Desço o vidro do carro e ele me estende o pacote.
Mas, quê? Pacote parto, por essas bandas onde ninguém me sabe o nome? Quando me escrevem – os que me escrevem – o fazem por meios mais ágeis. Mandam recados eletrônicos. Mas o pacote tinha marcas de mão. Entrei, estacionei. Li o destinatário (para ter certeza de que não era engano). “Bom, é para mim!” Concluí.
Tanto tenho me habituado às distâncias silenciosas que chego a desacreditar em cartas. Tudo em meu universo vagarosamente se tornou virtual. Nesse universo onde o nada e o tudo coexistem irmãmente, tenho aprendido a amar com intimidade quem não conheço. Como Neuzza Pinheiro e seu “Eukatlan; como Zélia Guardiano – guardiã das simplicidades; como Eliane Elianinha, que forja armaduras enquanto escreve; como Lara, se desmanchando em letras. Como tantos mais que me flecham com palavras pontiagudas.
Mas aquele pacote escrito à mão me arrastou para os subúrbios do universo, como um cão que arrastasse atrás de si, com fome e prazer, a ossada de um mamute.
Entro no elevador e abro. Era a promessa.
Desde o outro lado do mundo, lugar a partir de onde nossas raízes ecoam, a poesia embarcou em caravela moderna e veio desbravar-me.
José Rui Teixeira, descendente híbrido de Camões, Pessoa e Sá-Carneiro atracou sua nau de letras em meu porto, fincando-me bandeira portuguesa. Tornei-me território incorporado, quiçá uma nova “Ilha de Vera Cruz”.
Este poeta teve o cuidado e a delicadeza, próprios dos nobres de alma e linhagem, de cumprir uma promessa virtual, forjada depois de dois e-mails. E eu, que tenho redescoberto a forca inescrupulosa da poesia concebida no coito violento dos teclados recebi, maravilhado, o filho feito matéria deste poeta, seu livro “Diáspora”.
Bem, daí advém o título desta crônica: “José Rui me matou”. Primeiro por dar corpo à promessa; depois pela artilharia pesada de seus versos. Prostrei-me diante deles e fui alvejado direto no peito. Sangrei desde o imaginário e caí, com gozo vermelho vazando da boca e dos demais sentidos. Atingiram-me, primeiro, Zerbino e Ataúde; os demais sacramentaram minha condição de alvo. Alvo da beleza aflitiva, tipo de beleza que descarna e empresta novo sentido ao que se denomina beleza.
Agora estou aqui, desfalecido e feliz. Assistindo nuvens vermelhas roubarem restos de sol. Com razões de sobra para amar ainda mais Eliane, Neuzza, Zélia, Lara, Cecille, Vera e todos os demais.
O virtual existe. Qualquer que seja a forma de se manifestar.
Essas pessoas sem carteira de identidade me provam isso todos os dias. Assim como José Rui Teixeira me provou com seu presente.
A distância não existe e, se existe, as palavras são capazes de exterminá-la.
[Das: CRÔNICAS DO DIA]
Para conhecer um pouco da obra de José Rui Teixeira visite: