…Escrevo com a carne.
Com freqüência não tenho sono
Outras, sou apenas sono e languidez.
Sofro de pavores e fobias de quase tudo o que me cerca.
Aprisionado me sinto menos vulnerável
E, portanto, seguro de meus medos, intimamente distantes.
Movimentos peristálticos e emoções controversas, deveras
Assoberbado, tomado por sons e reflexos involuntários
Quase um animal, instinto puro, fúria e desejos,
Hidrofobia encapsulada, presente, constante, visceral...
A perseguição da palavra é meu exercício de caça
E nos caçamos e escondemos um do outro simultaneamente
Até que seja inevitável nosso encontro no meio de um poema
E ela me espreite e eu a espreite com olhos assustados.
Ansioso, mas profundamente reverente ao seu poder.
Palavras perigosas sabem de mim melhor que ninguém,
Conspiram para que eu não descanse de viver um só segundo,
Para que o sossego não se apodere de meus vícios, amansando-os.
Regem o coro voraz dos lobos uivando na noite imaginada
Letárgica, lisérgica, terrivelmente real – real demais,
Viver, resistir, olhar-se no espelho – são palavras perigosas.
Companheiro do escuro cuja sombra é boa túnica
Eu me olho muito profundamente quando a noite cai
E cada dia sou o mesmo e ao mesmo tempo estranhamente diferente
Como se um outro me reconhecesse quando eu o olho,
Sem que eu fosse capaz de reconhecê-lo dentro de mim.
A escuridão inevitável – quando encarada com força – não assusta,
Tem-se apenas de tencionar os músculos para que não se rompam.
Crescente, metricamente interessante e muito perturbador
Deve ser um poema – assim como um auto-retrato surrealista.
Predisposto a retratar de dentro para fora a cor ocre e o cheiro cru
Das vísceras – e, como se não bastasse – a alma, desde seu âmago.
Eu não durmo bem há dias e os dias me perseguem durante o dia
Pelo cansaço o qual me imprimem sobre os ombros, peso, peso secular.
Eu enfrento um de meus medos a cada vez que saio de casa
E, muitas vezes, fujo deles, desesperado, em silêncio, dentro de mim.
Nasci há mais de trinta anos e ainda tenho sete, e já tenho setenta anos,
A verdade é que nenhuma causa me mantém atrelado ao tempo
E, portanto, envelheço e rejuvenesço com uma rapidez estúpida.
Meu cansaço, meu dicionário flácido, meu escárnio essencial
De tudo o que é raso, mesquinho, metódico e seguro
São escudos atrás dos quais me protejo de enxergar frontalmente
O quão simplório, comum e cotidiano tenho sido e ainda mais o serei.
Abutres de meus dedos, chacais de meus olhos, grasnar de corvos
Sobre o poema – a presa ainda se debate.
Eu escrevo com a carne...
[Dos: POEMAS PERDIDOS NO TEMPO]
6 comentários:
Uau!
Como é bom te ler, poeta, transpiro com suas palavras.
Beijo.
Doce Poeta. correria de dezembro, momentos finais de trégua médica e vou curtir um descanso. Mas eu volto. Voltarei sempre enquanto Deus me permitir.
Deixo meu abraço, meu obrigada pela parceira e não se equeça, eu volllllto.
Feliz Natal. Férias!!!!
alguma coisa mudou de direção, mudou de cor, de sentido, como um sinal desconhecido no percurso.
Um sinal que aponta para uma Pasárgada, uma ´passagem secreta,
uma ultrapassagem de si.
Agnaldo, a refração da luz no espelho das águas é assustadora, às vezes. Continue vendo, olhando
cuidadoso: esse desdobrar-se não tem fim.
As palavras se desmancham na sua mão. Bjs admirados
Lara, Lara,
Você sempre encontra a palavra certa. Poemas, não raras vezes, são concebidos para que quem os lê consiga transpirar.
Eu me realizo nesse suor.
Super beijo.
Elianinha,
Descanse muito, relaxe muito, mas não esqueça de viver com força, com vontade e delírio...
Aproveite as festas, a badalação, esse clima maravilhoso de final de ano e início de outro... Tudo será maravilhoso adiante, sempre, sempre...
Felicíssimo natal e anos novos repletos de surpresas arrebatadoras (e boas, claro!).
Super beijo.
Neuzza querida,
Vou me deter apenas na última linha de seu comentário (embora todas as demais carreguem a intensidade e a marca generosa de sua mão).
Me comove delicadeza, tanta precisão na escolha das palavras que chego a duvidar que sejam para mim. Não fossem suas teria, de fato, sérias dúvidas. Mas conheço sua habilidade em deslindar emaranhados poéticos e retraduzi-los. Você é mestra, e como tal, coro o rosto, umedeço os olhos e estufo cada centímetro da alma ao ler suas palavras.
Grato, sempre grato. Sempre e muito.
Super beijo.
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