[Imagem: Ariadne - Herbert James Draper
Vídeo: Cry baby - Janis Joplin]
[O choro merece um tratado, contudo, não serei eu o atrevido].
Das diversas modalidades que presenciei, algumas se sobressaem. Assisti pessoas chorarem por descontrole, outras por se verem despojadas. Houve quem chorasse de emoção e quem inventasse emoções pelo prazer de serem vistos se derramando.
Quem chora por dores secretas merece o meu respeito. Os que não represam quando há motivo, nem constroem barragem para estancar a alma, esses são dignos de consideração. De uma comenda.
O choro é a primeira arma do ser humano, bem como chorar é a primeira língua que aprende. Talvez por isso as lágrimas sejam usadas por alguns como dialeto, por outros como forma de coagir.
Quis tocar no assunto para refletir sobre ele e me refletir nele, visto que quase nunca choro. Tal constatação soa aos mais precipitados como um defeito grave, prestes a ser uma falha de caráter. Quase nunca choro. Mas quando o faço, seco.
Parece-me que todo o líquido reservado vem ondulando desde os pés e arrebenta em tsunamis incontroláveis; e me parece também que quando isso acontece, choro o presente, o passado e todo o futuro de uma só vez. E me desembargo. Desalbergo demônios, desamparo autocomiserações e sinto que fui areado; e brilho.
Não me meço por estatura de força, tampouco considero um grande privilégio ser mais seca do que chuva. Creio que a natureza que me sustenta seja a de um cerrado, com mandacarus e árvores retorcidas; que é árido o quando pode e que se molha sempre que água lhe é ofertada.
Não considero fracos ou imberbes os que não se aguentam. Igualmente, não faço juízo da medida do que os leva ao pranto. Quem chora a meu lado não tem lágrimas solidárias de minha parte para acompanhar-lhe o coro, mas encontra dedos de secar olhos e peito como descanso de cabeça.
O choro é uma espécie de alimento ou de bebida dos quais se saciam, uns mais, outros menos, sem que gulosos ou abstêmios mereçam repreensão.
Um homem, quando chora, fica mais bonito. Já a mulher, essa deve ter cuidado. O choro feminino é um vestido de gala, um colar de diamantes, e não deve ser envergado, se não em ocasiões que o mereça.
Uma mulher que chora a partir do útero faz jus a ser coroada imperatriz. Por outro lado, as que se valem dos olhos para derramar futilidades, vestem sua melhor roupa, adornam-se das joias mais raras para fazerem feira num sábado sem sol. Desperdiçam a poção mágica justamente por utilizá-la indiscriminadamente; e o encanto se torna insignificante.
Mas não se privem de chorar. Menos ainda se sintam compelidos ao ato por conta dessas reflexões tão simplórias. Chorar é um direito que deve ser exercido segundo o arbítrio (ou quando o arbítrio não der conta de deter).
Quanto a mim, santifico as palavras de Caetano Veloso: “Respeito muito minhas lágrimas, mas ainda mais minha risada”.
E quando não há jeito, desaguo de uma vez para secar o quanto antes. Poder sorrir ensolarado (ainda que o solo esteja ressequido e apenas os mandacarus floresçam).
[Das: CRÔNICAS DO DIA]
4 comentários:
Antes do meu bom dia, já vou logo dizendo que adoro frutas secas.Tâmaras, damascos, ai Jesus.
Qualquer hora vou aí ksksksk ver de perto estes seus dons.
Bom dia Poeta, hoje não quero choro nem vela...
Estou com Caetano.
Uma ótima semana.
Eliane querida,
Fiquemos com Caetano Veloso... Me junto a você!
Quanto às guloseimas, já estou me preparando... rsrsrsrs...E, quando vier, não vai apenas ver, vai provar também e (quiçá) gostar...
Ótima semana, iluminada.
Super beijo.
essa sua prosa é de rolar pelos olhos, Agnaldo. Poesia salobra e quente sobre essa propriedade tão humana e às vezes guardada por toda uma vida.
E Janis Joplin, ora, tem lágrimas
ásperas e incendiárias na garganta. Como estrelas cadentes...
um beijo admirado poeta!
Volto à noite, ler com calma
Neuzza querida,
Quando a represa não escoa, transborda. Transborda em palavras ou no que quer que seja, e se isso fica bonito de ser... Bom, daí é a completa realização.
E Janis, você tem razão, ela incendeia...
Super beijo.
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