[Imagem: Naked young man sitting by the sea - Jean Hippolyte Flandrin
Vídeo: Um contra o outro - Deolinda]
Eu te bendigo pela fúria com que me castras as palavras
Para que não tenham pernas nem testículos demais.
Pela avareza que me cobras quando estendes a língua e ela
está seca
E também pela demência com que me presenteias
Antes mesmo que me levante.
Eu te bendigo com ardor e medo, mas não covardemente,
Com algum mistério provendo cada pequeno segundo
Entre uma respiração e outra, entre suspiro e suspensão.
Com nesgas de rancor, acessos e rangeres de dente,
Do alvorecer à antepenúltima nota de escuridão,
Enquanto caem as folhas das árvores
Os cílios dos olhos e a pressão arterial.
Eu te bendigo em fibras tensas, musculares, maculadas.
Eu te bendigo com duas espadas: uma em punho e outra
Sagradamente suspensa sobre a cabeça, dependurada em tênue
fio.
Os cerrados por onde alastras perfumes de secura
E as matas fortes, suadas e muito úmidas, mas incansáveis,
Ambos carregam o teu destino impregnado
E, igualmente, em ambos e por ambos eu te bendigo.
Eu te bendigo perante a autoridade e diante da turba,
Porque estendeste o arame sobre o qual caminho
E nele depusestes nenhuma segurança.
Pelas lanças que me aguardam, ansiosas, eu te bendigo e rio,
Enquanto atravesso, dançando acima delas.
E te bendigo pela generosa escravidão,
Essa que não me permite cair.
[Dos: Poemas recém-nascidos]