- Levi Wells Prentice
Vídeo: Marta's song - Deep Forest]
Há uma lenda sobre dois apanhadores de frutas. A um era atribuído o encargo de subir nas árvores para apanhá-las. O outro permanecia no chão, de cesto em punho, recolhendo-as, de modo a evitar que a queda lhes magoasse e perdessem viço e sabor.
Certa vez, cansado de se esgueirar por entre galhos enquanto ao companheiro era dada a segurança do chão, o primeiro se queixou:
- “Ora, por que me são reservados o perigo e a dificuldade, e a você a sombra e o conforto?”
Sem desmerecer o esforço de seu par o homem do cesto lhe respondeu:
- “Tem paciência! Os olhos nem sempre são os melhores conselheiros... Ademais – continuou – novas árvores foram plantadas e o futuro há de te reservar um outro posto, além do merecido cesto”.
Tendo ouvido a conversa, uma aranha se equilibrou em sua teia, próxima que estava do apanhador, ao alto dos galhos, e sussurrou:
- “A mim também não parece justo que você enfrente espinhos, ramos e folhagens cerradas, enquanto que ele apenas recolhe os frutos”.
Percebendo que o homem lhe dava ouvidos, a aranha prosseguiu:
- “Há muito que lhe acompanho o empenho. Estou certa de sua capacidade; a mim me parece que você poderia realizar não só o seu trabalho, como também o dele. E em assim fazendo o dono do pomar notará seu esforço e lhe dará aquilo que anseia e tanto merece”.
Tendo as cinzas de suas convicções sopradas pela aranha, engendrou plano. No dia seguinte, mal amanhecera, estava ele entre os galhos, em posse da cesta que furtara durante o sono do amigo; e colhendo.
O parceiro tardou naquele dia. Já alto o sol, quando se aproximou da árvore encontrou no chão o apanhador ferido; os frutos espalhados.
Sem titubeios ou malícias, apressou-se em acudi-lo. Juntou também os frutos antes que lhes viessem supervisionar, conforme era o costume.
Já acomodado contra o tronco da árvore, observando o companheiro recolher o espólio de sua ambição descontrolada, ele o interrompeu:
- “Não entendo. Você sabe que, ao lhe furtar o cesto queria provar que sou capaz de substitui-lo e que seu trabalho é desnecessário. Ainda assim você me ajuda?”
O outro observou longamente sua irresignação, depois respondeu:
- “Vê esses frutos? Assim como estão não servem para nada. Só os que estiverem intactos serão aproveitados. Só eles servirão ao patrão”.
Ao perceber que o homem ferido ainda não o compreendera, seguiu:
- “A cada trabalhador é reservado um papel”.
Entre gemidos o outro o interpelou:
- “Mas sou eu quem corre o maior risco e executa grande parte do trabalho”.
O companheiro se aproximou e lhe explicou:
- “É certo que você tem os espinhos e galhos, e que a altura é tua constante companhia. Mas há também o sol por entre as folhas, o céu ao seu alcance e o vento fresco em sua pele. Eu tenho o chão e as sombras escuras... Você recolhe os frutos e os atira, mas sou eu quem lhes recebe o baque na palma das mãos”...
Pausou e continuou:
- “Todas as manhãs, enquanto você ainda dorme, eu inspeciono, uma a uma, as tramas do cesto. E antes que chegue ao eito eu já me certifiquei de que não existam colmeias ocultas entre as folhas, serpentes no caminho, nem galhos quebradiços... Quando finda o dia e você se vai eu alço às costas o cesto de frutas e vou ter com o patrão. É nessa hora que lhe presto contas e ele examina detidamente cada um dos frutos”.
O outro o encarava e ele prosseguia:
- “Antes de receber a obrigação desse cesto aprendi a escalar árvores, a valorizar a colheita, o sol, o vento e o céu. Aprendi a lançar os frutos de modo que meu companheiro não se ferisse nem os deixasse caírem, porque compreendia o valor de meu trabalho e também do dele. Éramos uma equipe e a qualidade dos frutos que ele levava ao patrão me era motivo de orgulho; isso porque a integridade e a beleza do que apresentávamos começava por minhas mãos”.
Por fim, arrematou:
- “A aranha também me aconselhou, mas eu sempre desconfiei de quem arma a teias... Descobri, nesse tempo, que para fazer jus ao cesto é preciso merecê-lo. Mais que isso, é preciso saber valorizar todas as etapas da colheita... Tens aí os frutos de teu ardil. Apresenta-os ao patrão, se tiver coragem”...
E se calou, pois não havia mais nada que ser dito.
[Das: CRÔNICAS ESPARSAS]
8 comentários:
salve, querido Agnaldo!
tenho andado meio recolhida por questões pessoais
mas passo por aqui, saudosa, leio a sua parábola e experimento o sabor doce-amargo das suas frutas vermelhas de poesia carregadas.
Árvore, poeta!
Eu no meu spirituals falando dela e vc, aqui!
bjs!
Texto belíssimo, meu querido Agnaldo!
É ideal para reflexão profunda.
Se fizermos, sem pressa, uma análise, veremos que há muito aspecto interessante a ser considerado nesta bonita parábola.
Parabéns, amigo!
Enorme abraço
Neuzza querida,
Árvores comportam. Cabem. Contêm. Elas são matriarcas de toda as analogias e simbolismos. Gosto delas, não as uso com mais frequencia para não ser repetitivo e entregar de bandeja esse meu afeto sigiloso.
Quanto à sua ausência, embora compreendida, tem sido percebida e sentida até os ossos. Você agrega. Essa é a palavra. Argamassa, resina... Quando falta algo desagrega.
Por isso não fique tanto tempo longe.
Super beijo.
Zélia,
As parábolas tratam bem do que o cotidiano não consegue fazer caber no arcabouço das praticidades. Além do mais recorrem à simplicidade que, para mim, é a virtude mais digna de admiração no campo das palavras.
E a possibilidade de provocar de reflexões é presente para quem produz. São filhos adotivos da poesia e da prosa, mas muito amados.
Refletimos. Eu em seus textos, você nos meus. Que bom!
Super beijo.
Belíssimo, oportuno, verdadeiro.
As teias nos envolvem permanentemente.
Cabe a cada um de nós dar valor aos nossos cestos e trabalho.
Hoje Poeta tive que me virar para vim te ver. Como valeu à pena. É que longe, muito longe da cidade natal, a conexão é péssima.
Grande novembro. Saúde e Felicidade.
"E nada mais a ser dito."JIU
Bom dia Agnaldo!
Lindo o texto (todos dirão).... cada um com seu cada qual. Só se faz bem com perfeição aquilo que se conhece, aquilo que se ama, aquilo que além da realização nos dá prazer...
abraços quentinhos e ensolarados.
Eliane desgarrada, desterrada e feliz...
E como existem teias, não? Alguns momentos penso que não se pode confiar em ninguém mas, graças a Deus, no momento seguinte recobro a esperança na raça humana.
...E você, danada, mesmo com a conexão lenta me honrou com sua visita. Fico faceiro de dar gosto. Pimpão mesmo... Sua passagem sempre perfuma o dia, anima minhas lavandas e deixa a casa mais aprazível.
Saúde e felicidades em dobro.
Super beijo.
Vera, Vera...
Não esqueci que você sempre passa por aqui... E agora você traz o sol. (Esse nosso vizinho distante).
Começou a esquentar por aqui, mas ainda não está nem perto do Recife (onde morei nos últimos dois anos) e menos ainda de Cuiabá (onde morei por dez anos).
Estou me acostumando e tirando o melhor do frio. Contudo, agradeço muito, e retribuo, os abraços ensolarados.
Valem muito, muito mesmo.
Super beijo.
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