A PANACÉIA
Dissera que não precisava daquilo. Deveria ficar distante algum tempo da escravidão auto-imposta por seus limites cotidianos. E foi ficando, ficando distante, tão distante que já não distinguia os próprios ossos dos vergalhões que sustentavam os edifícios ao largo. Tão distante que era capaz de confundir carne e concreto, veias e canos, pele e azulejos.
Acordou trinta e tantos dias depois. Corpo esquelético. Sua alma estava magra e lívida e vazia. Pareceu-lhe que houvera devorado um enxame de vespas e todas elas lhe picavam de uma só vez o estômago e os sentidos.
Sabia que não duraria muito. Rapidamente sucumbiriam os pilares, os alicerces afundariam na areia fofa das superficialidades e estaria entregue à ruína e à maresia; se derreteria lentamente até ser um pedaço de lembrança, depois uma incerteza de existência, uma dúvida, depois nada.
Alegre, a seu modo, compreendendo que o mofo se alojara permanentemente em suas entranhas de forma irreparável, caminhou até a cozinha. (Nove horas da manhã). Vasculhou o tinha e o que não tinha e, diante de tudo, de todas as forças, das aberrações universais e do inevitável desfecho dos dias, picou fatias de abacaxi dentro de um copo largo.
Espremeu fortemente os pedaços. Esmagou-os. Assim também o fez com os medos e com as angústias e com as dúvidas secretas de existir. Tudo fatiado, esmagado, líquido.
Seis pedras de gelo para que a carne não estragasse. Um tapa no pernilongo que lhe rondava a nuca. Goles generosos de gim sobre a geléia de abacaxi e alma e foi beber naquela hora. Encheu as fuças.
O álcool forte lhe devolveu a ilusão. Bebeu como nunca, bebeu como sempre. Tivesse dois quilos de sal grosso teria curtido todos os sentidos e os preservado pelos eternos anos que lhe restavam, mas não. Era só o gim.
Pegou mais um. Outro e outro. Ao meio dia estava completamente em paz. Alma curada, corpo inerte e coração batendo a seis por hora. Poderia viver mais algumas horas. O miraculoso espírito etílico reinando na quietude. Sombrio, bruto, acolhedor. Como um pai ausente, devotando o primeiro carinho à cria depois de ela, erada, ter-lhe mostrado os dentes.
O gim é a panacéia. A salvação da humanidade, constatou. Só ele liberta, só ele escraviza, só ele é capaz de levar a alma ao limite da pele e fazê-la arder, sem curativos, sem remédio, sem salvação.
Tomou um outro... Ah, precisava viver mais algum tempo.
Acordou trinta e tantos dias depois. Corpo esquelético. Sua alma estava magra e lívida e vazia. Pareceu-lhe que houvera devorado um enxame de vespas e todas elas lhe picavam de uma só vez o estômago e os sentidos.
Sabia que não duraria muito. Rapidamente sucumbiriam os pilares, os alicerces afundariam na areia fofa das superficialidades e estaria entregue à ruína e à maresia; se derreteria lentamente até ser um pedaço de lembrança, depois uma incerteza de existência, uma dúvida, depois nada.
Alegre, a seu modo, compreendendo que o mofo se alojara permanentemente em suas entranhas de forma irreparável, caminhou até a cozinha. (Nove horas da manhã). Vasculhou o tinha e o que não tinha e, diante de tudo, de todas as forças, das aberrações universais e do inevitável desfecho dos dias, picou fatias de abacaxi dentro de um copo largo.
Espremeu fortemente os pedaços. Esmagou-os. Assim também o fez com os medos e com as angústias e com as dúvidas secretas de existir. Tudo fatiado, esmagado, líquido.
Seis pedras de gelo para que a carne não estragasse. Um tapa no pernilongo que lhe rondava a nuca. Goles generosos de gim sobre a geléia de abacaxi e alma e foi beber naquela hora. Encheu as fuças.
O álcool forte lhe devolveu a ilusão. Bebeu como nunca, bebeu como sempre. Tivesse dois quilos de sal grosso teria curtido todos os sentidos e os preservado pelos eternos anos que lhe restavam, mas não. Era só o gim.
Pegou mais um. Outro e outro. Ao meio dia estava completamente em paz. Alma curada, corpo inerte e coração batendo a seis por hora. Poderia viver mais algumas horas. O miraculoso espírito etílico reinando na quietude. Sombrio, bruto, acolhedor. Como um pai ausente, devotando o primeiro carinho à cria depois de ela, erada, ter-lhe mostrado os dentes.
O gim é a panacéia. A salvação da humanidade, constatou. Só ele liberta, só ele escraviza, só ele é capaz de levar a alma ao limite da pele e fazê-la arder, sem curativos, sem remédio, sem salvação.
Tomou um outro... Ah, precisava viver mais algum tempo.
2 comentários:
redondo, redondo
transparente e doloroso como o gim
imóvel numa taça de cristal
me emocionou, me emocionou...
escrita rara, a sua
Neuzza,
Um brinde, então!
Com gim, claro. (Rsrsrsrs).
Gde. Abraço.
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