AMA DE LEITE
No início teriam sido bolinhos de coco. E ela os fazia tão bem, tão bem os bolinava que eles suavam entre as palmas de suas mãos até ficarem redondos, lisos e sensuais. (E ele os comia com mais paixão que a ela mesma).
Mas naquele dia algo não dera certo (ou dera certo demais). Foi no dia seguinte, na manhã em que seu homem fixo deixou sobre o criado-mudo dois tostões além (decerto para comprar o adeus). Saíra com passos mansos, juntando roupas (provas do amor urgente, semanal e clandestino), enquanto ela fingia dormir.
De manhã cedo o sol ardera descomunal pela janela, manchando de dourado suas órbitas e mesmo as olheiras negras das noites varadas. Estava ainda cansada, exausta de satisfazê-lo, de satisfazer a todos quantos pudessem comprá-la. Foi então que leu o que ele lhe deixara embaixo das cédulas. Se as palavras fossem capazes de refletir, refletiriam lodo ao invés da luz cegante.
Calma e ainda suja, e ainda lambuzada, e ainda faminta, foi ter com seus ingredientes enquanto remoía as frases lidas. Juntou-os no fundo da bacia e os foi mexendo delicadamente, depois com força, depois com as tripas reviradas, depois com os restos de si mesma, até deixá-los uniformemente pastosos.
Nalgum momento o branco se foi corando, tornando-se teáceo, pétala, por último rosado. Intrigou-se com o tom dos outrora branquíssimos bolinhos e não se deu por vencida, fincou dedos entre as pernas, por dentro da calcinha para investigar-se, ver se sobras dele vazavam junto das suas, (a mãe lhe houvera dito, isso muito antigamente, que não se devia cozer durante as regras, especialmente comidas brancas, porque essas se tingiam facialmente), mas não. Os dedos nada revelaram. Voltou, pois, a mexer, a sovar, a dar pancadas na massa rosa até obter-lhe a desejada consistência.
Somente enquanto os modelava é que sentiu. Da ponta do queixo precipitou-se-lhe sobre a mão uma gota vermelha. E ela percebeu com o pulso, deslizando-o pelo rosto. Antes os olhos vazavam. Naquele momento o rosto inteiro, o espírito, cada célula. Vazava, porque a cabeça estava partida, o coração pulsava últimos segundos nas pontas dos dedos e a alma sangrava pelo nariz, sujando a massa antes de esta ir ao forno.
Não se abateu. Borrou-se escorada na pia, maquiagem para a hora, largada sobre os azulejos frios da manhã, assistindo estática os bolinhos assarem.
Comeu-os, mais tarde, na tentativa inútil de que a alma voltasse ao seu lugar, mas no compartimento secreto onde antes ela houvera habitado não existia lugar para destroços. O coco e o açúcar se instalaram por lá, corrompendo-lhe todas as glândulas, dando vida a canaviais e a coqueirais sem fim.
Desde aquele dia seus amantes de aluguel passaram a amá-la mais e mais. Como mulher, como dona, como posse e latifúndio, porque ela lhes dava carnes tenras e leite de coco açucarado, direto dos seios e da alma (mas não amor, amor nunca mais).
No início teriam sido bolinhos de coco. E ela os fazia tão bem, tão bem os bolinava que eles suavam entre as palmas de suas mãos até ficarem redondos, lisos e sensuais. (E ele os comia com mais paixão que a ela mesma).
Mas naquele dia algo não dera certo (ou dera certo demais). Foi no dia seguinte, na manhã em que seu homem fixo deixou sobre o criado-mudo dois tostões além (decerto para comprar o adeus). Saíra com passos mansos, juntando roupas (provas do amor urgente, semanal e clandestino), enquanto ela fingia dormir.
De manhã cedo o sol ardera descomunal pela janela, manchando de dourado suas órbitas e mesmo as olheiras negras das noites varadas. Estava ainda cansada, exausta de satisfazê-lo, de satisfazer a todos quantos pudessem comprá-la. Foi então que leu o que ele lhe deixara embaixo das cédulas. Se as palavras fossem capazes de refletir, refletiriam lodo ao invés da luz cegante.
Calma e ainda suja, e ainda lambuzada, e ainda faminta, foi ter com seus ingredientes enquanto remoía as frases lidas. Juntou-os no fundo da bacia e os foi mexendo delicadamente, depois com força, depois com as tripas reviradas, depois com os restos de si mesma, até deixá-los uniformemente pastosos.
Nalgum momento o branco se foi corando, tornando-se teáceo, pétala, por último rosado. Intrigou-se com o tom dos outrora branquíssimos bolinhos e não se deu por vencida, fincou dedos entre as pernas, por dentro da calcinha para investigar-se, ver se sobras dele vazavam junto das suas, (a mãe lhe houvera dito, isso muito antigamente, que não se devia cozer durante as regras, especialmente comidas brancas, porque essas se tingiam facialmente), mas não. Os dedos nada revelaram. Voltou, pois, a mexer, a sovar, a dar pancadas na massa rosa até obter-lhe a desejada consistência.
Somente enquanto os modelava é que sentiu. Da ponta do queixo precipitou-se-lhe sobre a mão uma gota vermelha. E ela percebeu com o pulso, deslizando-o pelo rosto. Antes os olhos vazavam. Naquele momento o rosto inteiro, o espírito, cada célula. Vazava, porque a cabeça estava partida, o coração pulsava últimos segundos nas pontas dos dedos e a alma sangrava pelo nariz, sujando a massa antes de esta ir ao forno.
Não se abateu. Borrou-se escorada na pia, maquiagem para a hora, largada sobre os azulejos frios da manhã, assistindo estática os bolinhos assarem.
Comeu-os, mais tarde, na tentativa inútil de que a alma voltasse ao seu lugar, mas no compartimento secreto onde antes ela houvera habitado não existia lugar para destroços. O coco e o açúcar se instalaram por lá, corrompendo-lhe todas as glândulas, dando vida a canaviais e a coqueirais sem fim.
Desde aquele dia seus amantes de aluguel passaram a amá-la mais e mais. Como mulher, como dona, como posse e latifúndio, porque ela lhes dava carnes tenras e leite de coco açucarado, direto dos seios e da alma (mas não amor, amor nunca mais).
3 comentários:
Agnaldo
foi bom te ver refletido lá no meu spirituals, dizendo as coisas como diz, falando de Leminski...
Ando na fase bemol, imagino seja estado permanente desses cancerianos(as), tentando esculturas nas águas.
Leio seu texto e vejo a sua Anima, a compreensão do avesso do avesso
E me sinto melhor
ah, linda, linda, essa foto
E o seu blog transpira as sedas da lua, rs
Neuzza,
Você tem razão, os avessos, assim como as constantes tentativas de produzir esculturas etéreas nos ambientas líquidos da alma, são coisas típicas de cancerianos(as). (Rsrsrsrs).
Um pé no chão e o resto do corpo, dos sentidos, imersos nas estrelas.
Obrigado pela visita.
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