"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

LÍRICAS OPOSTAS


 (Para Neuzza, pelo cuidado).

LÍRICA

Brancas garças, vestidas para o frio.
Rubras crianças com rostos de maçã.
O céu nublado expulsando o estio
Decora a face triste da manhã.

Pássaros em algazarra de assovio
Ascendem ao céu sua alegria vã.
Toda a existência a desaguar no rio
Onde flua a derradeira noz-pecã.

Ressente-se de um certo desvario
O mosquito cobiçado pela rã.
Tenta outro voo, eleva o corpo esguio,
Mas sucumbe na hábil língua o seu afã.

Erguem-se os pêlos, cresce o arrepio,
Ressoa no ouvido a oração pagã.
O vento a consome, ágil, fugidio,

Vai lambendo a face triste da manhã.
Longe voam garças alheias ao frio
E correm crianças com rostos de maçã.




LÍRICA II – ALLEGRO

Depois de muito, muito poema denso
E de amar profundamente a melancolia
Dei uma chance, isso é o que penso,
Para que me contaminasse a alegria.

O dia está negro e o céu propenso
A derramar-se antes do meio-dia.
Mas o meu espírito que era escuro e tenso
No luzir de uma gaivota se alumia.

As manchas de lágrimas do meu lenço
Quarado sob um sol que inexistia
Tornaram-se bordados. Ora os prenso,
O mesmo lenço contra a órbita vazia.

Porque minha alma, metálica e macia,
Lingote que a ferrugem não corroeria,
É oposta a si e seu próprio apenso.

Tem peso e flutua. Massa e energia;
Recolhe da chuva gotas de alegria
E com elas sacia o poema mais denso.

6 comentários:

Eliane Furtado disse...

Mas este blog é um celeiro de poemas, de palavras, de mistérios e de inspiração.
Que acervo!

Neuzza Pinheiro disse...

Agnaldo

eu, on line pela manhã, respondendo.
Foi tudo por água abaixo(tenho tido sérios problemas de conexão)
Mas retorno, antes de embarcar para o trampo
e digo que andei chorando rosa como aquela estrela, e misturei azul, vermelho e chorei violeta. Independente da oferenda
luminosa, que me comove tanto, esses teus poemas tem alguma coisa de sobrenatural, a superioridade
dos lobos azuis de alguma dinastia antiquíssima. Você acresce. O céu agradece. E a terra

Anônimo disse...

Deleitando-me aqui com seu lirismo, sua forma de escrever que rasga e sopra. Leio tudo aqui, adoro!

Beijo,

Teatro da Vida.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Oi Eliane,

O "celeiro" esteve fechado no final de semana. Venho perseguindo a mesma poesia por duas madrugadas seguidas, mas até agora nada...
Para você ver como é. 5% de inspiração, 55% de transpiração e os outros 40% de perseguição.

Super beijo.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Neuzza querida,

Tenho uma confissão a fazer, mas o farei através de comment no seu blog.

Por hora é o seguinte: suas palavras são doces e gentis. Agradeço-as.

Estive ausente no final de semana, mas já estou de volta, firme e forte.

Super beijo.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Lara,

Deleite-se o quanto quiser. (E que bom que seja deleite).

Você tem razão, os poemas às vezes sopram, outras vezes rasgam. Têm sua própria natureza.

Super beijo.