O DICIONÁRIO DA FUGA
Fugi para a tundra
Ver a noite se erguer.
Meu pai içou-me pelos pés
Quando nasci
E disse: ei-lo!
Antes de atirar-me aos lobos.
E eu, coberto ainda
Pelas vestes rubras do nascimento
Reinei sobre eles com manto cor de rubis.
Fugi para a mata
Ouvir o vento gemer.
Árvores centenárias
Cobriram de pólen
Os meus poros
E eu frutifiquei.
Raízes nasceram-me nos cabelos,
Foram aos céus
Fustigar as nuvens,
Fazê-las salivarem
Sobre meus cachos
Baobás.
Fugi para a caverna
Beber com a escuridão.
Assentei-me ao seu lado;
Curvamo-nos na direção do charco,
Sorvermos.
Depois rimos, murmuramos confissões.
Olhos correspondidos – idênticos –
Éramos siameses.
E morcegos avoaram, festivos.
Trouxeram-nos frutos e sementes.
Guano.
Crescemos emendados.
Fugi para o deserto
Encantar escorpiões.
Meus companheiros
Ao se depararem com minhas pegadas
Gritaram: ei-lo!
Depois voltaram suas caravanas
Na direção oposta.
E eu, cuja sede
Sugava dos músculos a derradeira gota
Dei de beber às serpentes e à areia.
Urinando sobre elas
Demarquei minhas fronteiras.
Fugi para a montanha
Assistir ao sol se rebelar.
Seu primeiro raio
O aparei com olhos bem abertos.
Escoltas de açores
Renderam-lhe homenagens.
Abelhas lhe coroaram a fronte dourada
E eu, pacificamente sentado,
Enfrentei-o.
Esperei que ele me cremasse.
Fugi para o mar
Tornar-me veleiro.
O bom Deus dos náufragos
Deu-me à tempestade e aos raios.
Não antes de experimentar as minhas fibras
Bradou: ei-lo!
Conjurou sobre mim sua melhor tormenta
Quando eu, ainda moço,
Esboçava madeira em meu fino casco.
E eu domei as intempéries.
Tornei-me o capitão
A vela e a âncora.
Navio fálico nos lábios do oceano.
Plácido. Teso. Preservado.
Um homem inteiro.
Um homem inteiro.
6 comentários:
Olá bom dia. Já escreveu livro de poemas? Caso não tenha escrito, comece a pensar.
Fiquei muito feliz com sua visita hoje também.
Como vc sabe ficarei ausente uns dias. Poucos. Mas voltarei e espero encontrar aqui um poema de amor. Daqueles!kskskksksksk
Eliane,
Vamos aos poemas de amor.
Já existem alguns publicados, como, por exemplo: "Os olhos do meu amor".
Mas vou procurar algum em sua homenagem. (E olha que tem muitos).
Quanto ao livro, ando ensaiando isso há muito tempo.
O blog é um remédio para a insegurança. É para dar a cara a bater e ver o que as pessoas acham.
Sou da religião da "insegurança universal da raça humana", talvez por isso nunca tenha posto à prova meus mais de 5 livros prontos.
Bom, um dia hei de postar por aqui um poema chamado "Um crime delicado" e você vai entender... e, claro, por favor, COMENTAR.
Beijo grande.
Estou na torcida!
Aliás, relaxa! Vai acontecer e vai ser bom! O resto você administra, afinal de contas já é uma expert nisso.
Outro beijo.
à toda, Agnaldo, correndo feito cristal líquido nesses versos
que vão quebrando espelhos.
Salve, poeta!
Fiquei prenhe de mar... lindo!
Beijo.
Lara,
Bem-vinda ao espelho.
O mar realmente tem esse poder, engravidar-nos.
Às vezes a gravidez é leve como a espuma, outras, densa como o mais profundo de suas águas.
Sinta-se em casa. Olhe no espelho quando quiser; portas e janelas abertas.
Super beijo.
Neuzza querida,
Os versos servem para isso mesmo. Para quebrar vidros, estilhaçar espelhos. Deixar pelo chão os cacos,
para serem juntados com as mãos.
Super beijo.
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