"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

CANÇÕES IMÓVEIS


[Imagem: An arab removing a thorn from his foot
- Leon Bonnat] 

Pássaros de porcelana
Recitam odes sacrílegas com seus bicos dourados;
Odes ao silêncio sacrílego-ensolarado.
E o dia desprovido de defeitos
Impera.

Perto daqui um cemitério de máquinas
Com toda espécie de metais
Aguardando o digno sepultamento.
As orquídeas do vaso
Antigas que são, se aquietam
E murcham

Canto para a maquinária desolada
Espíritos inanimados em completo abandono;
Canto para alegrar-lhes a ida,
Embora seja tarde.

Canto para os pássaros de porcelana
Estáticos, invejosos das aves libertas;
Canto para que tentem sacudir as plumas
Inventadas.

Canto para as orquídeas mumificadas
Nobres, apesar de murchas,
Canto para que se despeçam
De seus cachos.

E o dia isento de imperfeições
Parece desconfiar
Que canto sozinho.

Parece ter certeza
De que canto sozinho;
Canções imóveis, valsas
E réquiens.

[Dos: POEMAS RECÉM-NASCIDOS]

8 comentários:

João A. Quadrado disse...

[pássaro,música,orquídea, pedaços de mundo que insiste em não de acondicionar no temo breve: a nuvem os protege]

um imenso abraço, Agnaldo

Leonardo B.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Leonardo,

A nuvem sombreia tudo, é generosa em ocultar as imperfeições e as perfeições que buscamos inutilmente.

Bem-vindo. Sinta-se em casa!

Os espelhos estão sempre polidos à espera de pessoas se ver...

E a casa está sempre à espera de novos amigos e almas generosas.

Super abraço.

Neuzza Pinheiro disse...

você sim me acanha, Agnaldo, com seus Jardins Secretos, com suas Canções Imóveis. às vezes me lembra um Whitman vivendo o século XXI, cantando as máquinas abandonadas, as flores artificiais...tudo com delicadeza, dor e grandeza.
E agora...música! Madredeus, Ângela Ro-Ro. Cada vez mais apurado.

muita admiração

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Neuzza querida,

Me apropriei de Whitman em sua homenagem:


O Próprio Ser Eu Canto

O próprio ser eu canto:
Canto a pessoa em si, em separado
- embora use a palavra Democracia
e a expressão Massa.

Eu canto o Corpo
Da cabeça aos pés:
Nem só o cérebro
Nem só a fisionomia
Tem valor para a Musa
- digo que a forma completa
é muito mais valiosa,
e tanto a Fêmea quanto o Macho
eu canto.

A vida plena de paixão,
Força e pulsar,
Preparada para as ações mais livres
Com suas leis divinas
- O Homem Moderno
eu canto.

(Walt Whitman).

Super beijo.

Anônimo disse...

Eu achava isso, mas vez ou outra recebo respostas de volta: cantos mais altos, outros mais baixos, mas sei que são entoados para mim.

Beijo, grande poeta!

Neuzza Pinheiro disse...

as suas vibrações modificam um estado de coisas, Agnaldo, fazem com que a gente acredite na Totalidade. Mesmo quando escurece, tudo se esclarece(Alice Ruiz neste poema: "nada como a noite: escurece/e tudo se esclarece..."

"Que faz o poeta no mundo? Faz o mundo..." Heriberto Yepez

faz luz no mundo, não é?

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Lara linda,

Inevitavelmente o são. Quando sentimos assim, é porque são. Os cânticos, eu digo.

Quando os sentimos como nossos, nos apropriamos deles, é porque já eram nossos antes de sabermos.

Por isso nos falam. Alto. Por isso os acolhemos, para que tentem se acalmar.

Super beijo.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Neuzza querida,

Fazemos luz. Às vezes luz negra. Essa luz que, sobre o branco, o deixa cintilante.

Quando lançamos nossas luzes obscuras sobre a mesmice, em reflexões íntimas, estamos contribuindo para que a escuridão evidencie detalhes que usualmente não vemos ou não queremos ver.

Mas isso é habilidade nossa, e não minha. Mais instinto que habilidade, mais sentir do que ser.

Super beijo. (E aliás, seu post de hoje foi soco na moleira. Apropriadíssimo. E a propósito dele, a resposta ao meu comentário foi perfeita. Concordo com você em gênero e número).

Super beijo. (Outro).