[postado da varanda, sob intenso frio.
Imagem: El Sueño - Francisco de Goya].
A BAÍA TURVA
Venta como ninguém. Fim de um inverno interminável que ainda resiste aos golpes de sol.
Adiante, treliçada pelo parapeito da varanda a baía norte é um lençol marrom. Pensasse nela como cama, diria que sim, que está ornada por antiquíssimo lençol marrom, já gasto e um tanto impróprio para o sono. E sobre este lençol, em franjas que se dobram por toda a superfície, rendas brancas que o vento vai soprando com extrema volúpia.
Ao largo a Ilha de Santa Catarina. Travesseiros, por analogia. Travesseiros verde-olivas, algo desbotados por uma névoa que lhe parece eterna. Penso na névoa como um branco véu dependurado em local inimaginável, talvez um dossel invisível que mantêm afastados dela os mosquitos, o brilho, o direito de ser verde até cegar.
Por derradeiro os prédios, mas primeiro as pontes. A de ferro, antiga feito o tempo, solitária como um açor no alto céu. Partes dela carcomidas pela ferrugem, lembram chagas vivas, cascudas. Parece-me que sua pele foi esfolada nessas partes e sua fragilidade metálica escapa por entremeios.
Outras pontes, de concreto, escoam veículos de todos os tamanhos. Tão apressados a ponto de iludirem. Chego a imaginar que são elas, as pontes, que os atravessam, e não o inverso.
Depois os prédios. Sim, os prédios. Expectadores enfileirados ao longo da orla, gente de concreto de alturas diversas, de olhos vítreos migrando entre verde e azul, ora transparentes e reflexivos, ora ocultos por lentes escuras.
De toda a paisagem que se avizinha apenas a baía, este leito macio e profundo, denuncia que a primavera tardará. Está turva e desolada. Não fosse por um barco que teima em se equilibrar dependurado à sua frágil âncora, estaria completamente só.
Agita-se, sacode suas águas. Joga-se contra as pedras em violentos e repetitivos suicídios líquidos. Desde a manhã castigada por lufadas intensas. Varou o dia a se debater, tentando, creio eu, livrar-se das cores ocres. Em vão.
Está assim, bem agora. Crespa de ondinhas. Banhada por um sol que não reflete em suas águas. Sinistra feito uma noiva, com grinaldas de flores secas, vestido velho e marrom. O noivo mar não a veio desposar.
2 comentários:
Boa Noite Agnaldo!!!
Só mesmo um poeta , como você para descrever a sua ilha,bela e santa, Cartarina. Areia na praia e areia enfileirada nos arranhacéus.... carros, gente pouca, por agora mas muita daqui a um tempo...,chegarão como formigas no açúcar porém ela continuará linda, não importa se de vestido marrom e nem se o esposo a deixou esperando o que importa é que é linda continuará linda se o homem deixar.
Abraços de sábado.
Vera
Vera,
Pois é, parece que você conhece a ilha melhor que eu... rsrsrsr... Nunca passei um verão por aqui. Dizem que fica insuportável e estou me preparando para isso...
Mulher, e esse frio que não nos larga heim? Já está na hora de "cantar para subir"... Quero poder ficar um pouco de pé no chão. Sentar na varanda para escrever, observando a baía, sem congelar...
Dizem que o calor está chegando (mas eu acho que é alguma lenda urbana que circula por aqui). rsrsrsrz...
Super beijo.
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