"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

terça-feira, 14 de setembro de 2010

CRÔNICAS NOTURNAS


[Imagem: Sleeping Child - Bernardo Strozzi]

FOGO FÁTUO

Observar a noite dormindo é quase uma oração.

Pela completa ausência delas no céu, conto constelações na água. Estrelas verdes e vermelhas de neon. Estrelas amarelas – elétricas – espichadas nos longos rastros que o vento faz tremer quando sopra a superfície líquida. E ainda estrelas brancas, que de tão tímidas e econômicas mal chegam a refletir.

É festa! Sem música e sem gente. Festa para os olhos. Vez em quando um carro, insone, cruza longe o ombro de uma rua, com dois olhos brilhantes que parecem me notar. Mas, não. Não notam. Sei disso porque não piscam, nem me namoram com seus corações metálicos e seus sentimentos de gasolina em combustão.

A paz vai abraçando os cães que ladram n’algum quintal. Acaricia seus focinhos úmidos e beija silêncio em seus dentes; até que param. Aquietam-se.

Gostaria de ver sobre os telhados uma alma que vagasse. Desfilasse alvíssima e longilínea nas cumeeiras, como que planejando destelhar-se. Um ser etéreo que pisasse delicadamente os cabelos das casas, já crespos pelo orvalho.

... A vida é lenta de madrugada. A vida é mesmo muito lenta. Corresse pela rua assim como estou, despreocupado, eu a pegaria recostada num banco de praça. Cansada. Noctâmbula.

Faltam letras ao anúncio de bebida. Faltam letras ou falta luz? Ou serei eu que, incapaz de interpretá-lo, ponho defeitos de letras e luz?

Meu Deus, como dorme essa cidade! Como está só e plácida, e como ressona...

O céu, vazio. As ruas, vazias. O mar, vazio e solitário. Eu estou vazio. Como um grande anjo de pedra dos cemitérios, que por falta de algo melhor com o que se ocupar, assenta-se acerca de uma cova virgem e reza pelo dia.

Talvez eu seja o anjo de pedra; talvez a insônia e o silêncio. Ou, quem sabe, um cão que se desvencilhou do julgo da paz e começou a latir. Late nos quintais e dentro de mim para me manter aceso, servo da noite e das palavras. Guardião da cidade adormecida.

4 comentários:

Zel disse...

Oi Agnaldo!

Que delícia o sono na infância!!!!!

Adorei o perfume da sua casa, o chá de hibiscos, a melancia gelada e o seu carinho.
Beijo,
Zel

Neuzza Pinheiro disse...

Agnaldo querido

espero que agora o silêncio vá se calando, rs
Bom estar de novo te lendo em verso e prosa
beijo saudoso!

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Zel,

Pois, olhe, sempre tem... Sempre tem um pouquinho de tudo isso, só esperando que as visitas cheguem.

Volte quando quiser e aproveite.

Super beijo.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Neuzza querida,

Salve, salve a liberdade! Salve o retorno às palavras e ao som.

É bom tê-la de volta, vê-la por aqui e observar que as coisas estão se normalizando.

Tomara que a internet não te abandone novamente, que os ônibus não te derrubem (desculpe, não pude evitar rsrsrsr) e que o silêncio não queira de novo te namonar.

Super beijo.