"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

domingo, 19 de setembro de 2010

O CARGUEIRO NO MAR






[Imagem: Dutch Boats in a Gale - Joseph  Mallord   W. Turner]


Segue o cargueiro no mar,
Estendendo uma tiara de brilhantes
No escuro, onde a luz afunda.
Deve haver um jovem marinheiro no convés,
Olhando a cidade acesa,
Lembrando dos olhos acesos da amada...
Deve haver um jovem marinheiro de olhos acesos,
Em chamas.

Segue o cargueiro no mar.
Deixando, por certo, um rastro invisível
De branca espuma,
Como desconsolado véu, atrás de si.
Deve haver, dentro dele, um homem fugindo,
Despedindo-se da cidade que, ao longe, também foge,
Mantendo eternos, seus eternos sobre a fuga.
Deve haver um homem cuja fuga
O aprisiona.

Segue o cargueiro no mar.
Pisando águas tranqüilas e sombrias,
Feito o fizesse na superfície de um céu sem estrelas.
Deve haver um velho, ao leme, ancorado.
Deixando atrás dos ombros uma cidade ancorada,
Içando desde seu âmago, pesada âncora.
Deve haver um velho cujos anos trataram de ancorar
Os sentimentos.

Segue o cargueiro no mar,
Como toda a vida de ondas, segue.

Só a minha angústia permanece imóvel,
Faiscando na escuridão.
Farol ardendo
Num rochedo milenar.

Pondo luz sobre naufrágios.


[Dos: POEMAS DO ESTOQUE]

8 comentários:

Anônimo disse...

Ai...

Deve haver quem me ampare, e um motivo para os meus olhos arderem, e nem assim eu deixar de encarar esta sua tiara de brilhantes, nem de avistar esses homens de olhos perdidos que não veem palmos a frente, só horizontes a quilômetros, muitos, de lonjura.

Uau.

Beijo.

Lulu disse...

... e quem sabe aquele que procuro em minha poesia....

Vem, viajor do tempo.
A tua nau
singra minha alma qual se fora um mar.

Deserta, sou cais. Noturna, sou tormenta.
Solidão. Silêncio de águas.
Sou vigília e espera.

Mas teus sinais conformam a poesia
e faz despertar os deuses abissais.

Vem, viajor do tempo.
Te faz pescador e o seio da amada.
Sou teu regaço. Vem

que o vento se abranda
e se faz em em brisa.
Sou quem te abriga.

Vem, viajor.
que o tempo se faz momento.
Me faz porto e aurora.
Ancora.

(Lulu, 2004)

Beijos, boa semana... :-))

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Lara,

Sempre haverá, sempre haverá quem te ampare. E, igualmente, sempre haverá mais um brilhante, depositado por seus olhos ardentes.

Super beijo.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Lulu,

Creio que houve um encontro, um encontro que transcendeu ao tempo.

Tudo que esses viajeiros procuram é um porto seguro de quem os espere, com tanto devoção, tanto desejo.

Sua poesia tem um doce cuidado, um preparo esmerado. Linda e boa de se ler.

Super beijo

Neuzza Pinheiro disse...

..."só a minha angústia permanece imóvel
faiscando na escuridão
farol ardendo
num rochedo milenar

pondo luz sobre naufrágios..."

agora digo eu: tenha pena, Agnaldo.
Consegui ver a cena, ouvir a tempestade, o farol totem majestoso
contra o céu, faiscando, desafiando os raios, as tormentas,
trazendo de volta à sua rota os navios perdidos...
Agnaldo, Agnaldo
vc nos faz ver, vc consegue me comover...

Eliane Furtado disse...

Ah o mar. Sempre fascinante, sempre cheio de mistérios nos conduzindo a algum lugar. Calmo ou revolto sempre achei que Deus morasse ali!
Boa semana.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Neuzza querida,

Vou postar hoje algo que escrevi para você enquanto se manteve em silêncio.

[Espero que me permita].

Acho que é alguma coisa como o seu silêncio pondo luz sobre os naufrágios... Vai saber.

Super beijo.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Eliane querida,

Essa sua referência merece um poema. De fato, Deus deve morar no mar, do contrário, por que exerceria tanto encanto, abrigasse tanto mistério, comportasse tanta beleza?

Deve ser a casa de Deus [ou, ao menos, de algum deus].

Super beijo.