[Imagem: Modele Rouge - René Magritte]
PAISAGENS CARTESIANAS
Lixeiras tristes do cerrado
Lagartos desolados ao sol poente
Ocasos curvados sobre o chapadão
Ensaio de beleza
Entre duas estrelas.
Sem música
E sem aplausos
Escurecem os céus
Do Mato Grosso.
Canaviais eretos da Ribeirânia
Pedras negras das avenidas
Trabalhadores banhados em fuligem
Nuvens de neve acinzentada
Derramam flocos no quintal.
Ao longe se eleva a coluna de fumaça
Engolindo o firmamento.
A lua ribeirão-pretana
É uma dama acanhada
Cortejada pelos boias-frias.
Águas turvas do Capibaribe
Esgotos floridos do Beberibe
Mar de Boa Viagem
Morno de lágrimas salobras.
Dão-se as mãos as esqueléticas pontes
Da Veneza Americana
Desoladamente antigas
Como velhas rendeiras pernambucanas
Emendando em bilro
As próprias mortalhas.
Araucárias anciãs da serra virgem
Cardumes de tainhas encurraladas
Debatendo-se contra as redes de pesca.
A cerimônia de coroação começa
Quando a ilha se levanta
E sobre sua cabeça
A neblina brilha.
A rainha está pronta
Para se desnudar.
Mangueiras ancestrais de meus avós
Brejos de bagres e de meninos
Cercas de arame-farpado por toda a vida.
Andorinhas da tarde
Morcegos da noite
Galos do amanhecer
Tem asas o meu sonho
Mas a minha memória é uma taturana
Que fez casulo na infância.
Antílopes lépidos. Impalas.
Feiticeiros zulus do imaginário
Savanas em meu peito
Áridas desérticas resilientes.
Toda a vida devotada à caça
Os sentidos
Todos para a noite.
Em meu coração ardem paisagens
Pondo pólvora na fogueira das lembranças;
Levanta-se o leão faminto da saudade
Sou-lhe a única presa.
[Lixeira – Cajueiro bravo (Curatella americana; Dilleniaceae)]
8 comentários:
Às vêzes fico pensando de onde você tira tantas imagens, tanta inspiração.
Deve ser das suas andanças pelo mundo.
Nada nos dá tanta experiência e conteúdo do que observar a vida, os lugares, as pessoas.
Boa sexta Poeta.
Que linda!!! Nossa, passeei por essas cidades como se nelas estivesse... imagens perfeitas e perfeita captação de seus cotidianos! Amei!
Beijos, tenha um lindo dia!
ah, esses Espíritos da Água, esses cancerianos...
Como diz Mário Quintana(a quem amo demais):
...as ruas pouco a pouco deixaram de andar
só a lua multiplicou-se em todos os poços e poças;
tudo está sob a encantação lunar
Vc traz os mundos pra sua poças
e tudo se recria, tudo fica imantado, Agnaldo
beijo grande!
Identifiquei-me porque aqui é seca, é um terço de ano sem chuva, é calango dando em pé de mangueira, e jaca caindo estalada. Identifiquei-me porque me cortam cercas de arame farpado por toda a vida, e porque seu poema é do k... ;)
Beijo.
Eliane,
Creio que cada local deixa uma marca, um tipo de lembrança tatuada na alma... E nesse mosaico algumas imagens se sobressaem, ganhando força e vindo à tona.
As andanças pela mundo ajudam; ter os olhos bem abertos também... Observar embaixo das coisas... Creio que seja isso.
Super beijo.
Lulu,
Sinta-se conduzida pela mão. Cada um desses lugares guarda encantos muito particulares, muito íntimos e preciosos.
É bom partilhar tais paisagens com pessoas que têm olhos generosos.
Super beijo.
Neuzza querida,
Espírito fluídicos é o que somos. Nos esgueiramos pelas particularidades das cidades, das lembranças, e em cada local deixamos pedaços líquidos de nós.
Para alguns lágrimas, para outros suor; em outros, ainda, sangue e saliva.
É assim que pertencemos aos lugares e eles passam a fazer parte de nós.
Super beijo.
Lara,
Rsrsrsrsrrssrs... Do K... é ótimo, é demais!
Quanto às cercas de arame farpado, elas arrancam a pele e guardam nossas marcas. Guardamos suas cicatrizes como sendo lembranças e elas preservam pedaços de nós, como relíquias que sobrevivem ao tempo.
Ah, e o planalto, o Centro-oeste, são do k... também.
Super beijo.
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