DICIONÁRIO DE SILÊNCIOS
Cruzou-me a vista um homem em sua bicicleta cargueira. O vi treliçado, dividido, riscado verticalmente pelos gradis da varanda, qual imagem, silhueta que usasse longo pijama listrado, e este pijama se fosse alongando para antes e além dela.
Vinha devagar pela manhã - como pareceu-me ser toda a vida nessa manhã, vagarosa - pedalando delicadamente e sem esforço. Segui-o com os olhos, fazendo-os pesarem no compartimento de carga, dentro do caixote verde-musgo que ele trazia na dianteira de seu veículo.
Tão de leve o olhei que sequer notou os quilos curiosos de meu olhar; tampouco se desequilibrou ou parou para ajeitá-lo entre os poucos pertences que carregava. Foi seguindo displicente, entrecortado, vez ou outra, pelas copas das árvores e troncos dos coqueiros.
Quis imaginar alguma novidade que ele pudesse conduzir. Um peixe grande para o almoço de logo mais, uma coleção de discos antigos com capas engraçadas, um carregamento de pinhas, seis maços de pregos, duas dúzias de ovos de codorna, quatro braços e duas pernas de manequins mutilados, para transformá-los em nova divindade... Meus olhos entre os objetos, coisificados.
Pedalou até levar sua vida para longe de meu continente, deixou para trás as listras que o emolduravam e se perdeu sob a sete-copas da calçada (que, a propósito, exibia-se toda enfeitada, com lindas folhas alaranjadas pontilhado-lhe a copa verde feito fagulhas enormes).
Carregou consigo a calma, para ser reciclada em alguma usina...
Voltei para dentro do apartamento onde o silêncio condimentava o ar e preparava o cozimento da manhã. Só as imagens restavam. Elas e o murmúrio do vento nas frestas da janela, soprando brasas e fazendo arder o grande caldeirão no qual seriam fervidas todas as palavras, até derreterem completamente.
Borbulha, agora, o silêncio... Tem cheiro de lírios, de eternidade...
Cruzou-me a vista um homem em sua bicicleta cargueira. O vi treliçado, dividido, riscado verticalmente pelos gradis da varanda, qual imagem, silhueta que usasse longo pijama listrado, e este pijama se fosse alongando para antes e além dela.
Vinha devagar pela manhã - como pareceu-me ser toda a vida nessa manhã, vagarosa - pedalando delicadamente e sem esforço. Segui-o com os olhos, fazendo-os pesarem no compartimento de carga, dentro do caixote verde-musgo que ele trazia na dianteira de seu veículo.
Tão de leve o olhei que sequer notou os quilos curiosos de meu olhar; tampouco se desequilibrou ou parou para ajeitá-lo entre os poucos pertences que carregava. Foi seguindo displicente, entrecortado, vez ou outra, pelas copas das árvores e troncos dos coqueiros.
Quis imaginar alguma novidade que ele pudesse conduzir. Um peixe grande para o almoço de logo mais, uma coleção de discos antigos com capas engraçadas, um carregamento de pinhas, seis maços de pregos, duas dúzias de ovos de codorna, quatro braços e duas pernas de manequins mutilados, para transformá-los em nova divindade... Meus olhos entre os objetos, coisificados.
Pedalou até levar sua vida para longe de meu continente, deixou para trás as listras que o emolduravam e se perdeu sob a sete-copas da calçada (que, a propósito, exibia-se toda enfeitada, com lindas folhas alaranjadas pontilhado-lhe a copa verde feito fagulhas enormes).
Carregou consigo a calma, para ser reciclada em alguma usina...
Voltei para dentro do apartamento onde o silêncio condimentava o ar e preparava o cozimento da manhã. Só as imagens restavam. Elas e o murmúrio do vento nas frestas da janela, soprando brasas e fazendo arder o grande caldeirão no qual seriam fervidas todas as palavras, até derreterem completamente.
Borbulha, agora, o silêncio... Tem cheiro de lírios, de eternidade...
Nenhum comentário:
Postar um comentário