POEMA DE QUATRO NOITES
Ilha de Santa Catarina. Madrugada.
Insônia austera eviscera a própria sina.
De bem longe, plantada ao cume da colina
Uma incessante luz, ora acesa, ora apagada.
Pisca-me o peito feito esta luz intercalada.
Escura-acesa, escura-acesa, a angina,
Desassossego para o qual não há morfina,
Moléstia antiga, ferida há muito alastrada.
A paz sinistra que antecede a debandada,
Paz de chicote, de machado e guilhotina,
Pousa na nuca qual um arcanjo de rapina
E a partir dela vai fincando sua espada.
Só a escuridão dançando na noite gelada,
Somente ela a girar, a incansável bailarina
Vem me fazer companhia, inocular a toxina,
Manter viva a eterna ânsia, insone e incendiada.
Entre um e outro cigarro, pausa e pigarreada.
Eis a oculta razão, a verdadeira disciplina.
O som de minhas cordas vocais já desafina
E a música que eu cantava foi sufocada.
Adiante a férrea ponte, a que une o nada ao nada.
E eu, exausto e ansioso desde a existência uterina,
Acendo outro cigarro p’ra repor a nicotina
E espiro sobre ela a primeira baforada.
Ilha de Santa Catarina. Madrugada.
A lâmpada elétrica perpetua sua esgrima
De brilhar e apagar-se, ataca-me lá de cima,
Cada pequena faísca é também uma estocada.
O cansaço já ascende pela coluna arqueada,
Músculos débeis e frouxos, sem tônus que os oprima,
Curvam-se fibra após fibra, a exaustão os aproxima,
Como tentasse cosê-los um a um à minha ossada.
Nesse instante de ausência, enquanto a alma penada
Ia buscar o meu sono num apartamento acima,
Delirei por sua falta, senti que ardia a grima,
Cobria a pele da face e a deixava afogueada.
Fúria inútil, vazia. Ardência descontrolada.
Em meus olhos obscuros a negra matéria-prima.
O sangue negro da noite ilhando a única rima
Para a qual a esperança houvera sido exilada.
A cidade adormecida, silente e esvaziada
Causa-me mortal inveja, ataca-me a autoestima.
Quisera ser como ela. A quietude me anima.
Talvez pudesse dormir antes de vir a alvorada.
Pétalas alvas dos olhos escorrem pela amurada.
Flores que sangram espinhos sem algo que os comprima.
E aves amareladas pela mudança de clima
Caem, como vão caindo os dentes de minha arcada.
Ilha de Santa Catarina. Madrugada.
Meu olhar no horizonte, ora ri-se, ora lastima.
Alberga o aço das horas. Não se verga nem inclina.
Com os joelhos dobrados, cada célula e enzima,
Suplico que o céu acorde a estrela matutina
E a angústia da noite seja por ela aplacada.
4 comentários:
Tenho boas lembranças da Ilha de Santa Catarina.
E da vida poética de lá.
..."Suplico que o céu acorde a estrela matutina/ E a angústia noturna seja por ela aplacada."
Eu suplico, Agnaldo, que ainda haja uma luz no final do túnel...
Eliane,
Tenha certeza que há. Há luzes por todos os lados. As madrugadas mais frias e escuras sempre precedem manhãs. E mesmo que as manhãs não estejam tão ensolaradas como gostaríamos, o sol ainda está lá.
Não se pode esquecer disso...
Super beijo.
Seu poema cabe no desejo de todos que escrevem. Belíssimo!
Sempre leio tudo por aqui, às vezes silente; é difícil falar sobre tão magníficos escritos.
Beijo.
Lara,
Não passe em silêncio. Fale. As palavras têm o poder de alimentar a alma.
Fico feliz que esteja sempre por aqui. Já disse antes e digo novamente: a sinta-se em casa!
Super beijo.
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