"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

terça-feira, 27 de julho de 2010

POEMAS RECÉM-NASCIDOS


O CERCO AO POEMA

Eu persigo o poema
De carne e osso,
Que possa ser esfolado.
Nada de poemas sobre órteses, membros artificiais.
Nada de muletas, dentes postiços, lentes de contato.
Me atrai o poema rude e resistente
Que fuja de ser abatido.

Eu acosso o poema
De músculos rijos,
Pronto a ser perfurado.
Nunca os poemas vestindo capote e botas.
Nunca os higiênicos, os asseados e servis.
Me atiça o poema criado nos pântanos,
Submerso e traiçoeiro.

Eu caço o poema
De garras e dentes,
Equipado para a luta.
Nenhum poema que se achegue à ceva.
Nenhum poema manso, acostumado à ração.
Me instiga o poema arisco, desconfiado,
Que rosne, ranja os dentes.

Eu busco o poema
De instinto e alma,
Capaz de ferir.
Renego o poema desprovido das essenciais defesas.
Renego, sobretudo, o poema catequético, desarmado.
Me importa o poema contagioso,
Que deixe largas cicatrizes.

Eu quero o poema
De vísceras e fel,
E que, ferido, ainda corra.
Não aos poemas dispostos a se ajoelharem.
Não aos poemas domesticados, que aceitam coleira.
Me interessa o poema vivo, ofegante,
Que rasgue o meu peito
Antes de eu matá-lo.

Eu desejo o poema de verdade.
Alado.
Para abatê-lo em pleno voo.

6 comentários:

Neuzza Pinheiro disse...

é tauromaquia, este poema.
Chego a ver as imagens, o embate.
Gosto muito

bjs, Agnaldo!

Eliane Furtado disse...

BONITO. Me sinto em casa com poesias. Obrigada.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Eliane,

Que bom que já esteja se sentindo em casa. As portas permanecem abertas para que volte quando quiser.

Ah, as janelas também, de forma que você possa observar de longe, se achar melhor.

Bem-vinda.

Grande abraço.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Neuzza querida,

Os touros vêm e vão e a gente só tem a capa vermelha da poesia como defesa.

Bem, o que se há de fazer, não é? Estamos na arena. "Que venga el toro!"

Super beijo.

Neuzza Pinheiro disse...

estar na arena com uma capa vermelha é tudo, Agnaldo.
Que venga el toro, olé!

beijo, querido!

Neuzza Pinheiro disse...

voltei pra reler este seu poema,
olhar bem dentro do peito rasgado
deste seu poema. Grande poema.