[Imagem: Sailing - Thomas Eakins
Vídeo: Os argonautas - Caetano Veloso]
Para aonde vai
Esse barco que não tem leme?
Desliza no mar de areia
E a areia geme,
Ausência de ondas e de cais.
Onde fica o oriente
Para dar rumo à bússola imemorial?
É de se supor que exista
Algum percurso a ser desfeito pela nau,
Ou que será levada pela corrente.
Mas que corrente,
Se de poeira se fez a água,
A bruma também empoeirou?
Tempestade alguma
Ascendeu em vaga
E até o porto se desintegrou.
Aurora que avança
Pelas embarcações, incendiando.
Áureos raios crepitam velas mansas.
E o barqueiro que assaz esteve esperando
Crava na areia seus remos
Como fossem um par de lanças.
Rema, e muito rema.
Avança, e muito avança.
Sem cartas de navegação
Sem tripulação
Ou esperança.
Cumprir os rigores
Do que lhe seja pena.
Atira-se da proa desguarnecida
Antes que a disposição acabe.
Não há oriente, tampouco bússola,
Capazes de conduzi-lo pela vida.
Talvez jamais o admita,
Contudo, o sabe.
[Dos: POEMAS (QUASE) RECÉM-NASCIDOS]
12 comentários:
Agnaldo eu adoro poesia. Estou sempre por aqui te ouvindo versar.
Também adoro as ligadas ao mar, em alto mar, aquela brisa no rosto, imensidão, infinito, mistério... acho que dá um dicionário inteiro se começarmos a falar, rsrsrs.
Ontem mesmo ouvi uma história sobre "navegação" que diz que o barco é como o nosso corpo e o leme, os nossos pensamentos. São eles que nos conduzem.
Muito bonita sua poesia!
Beijos e boa sexta!
Ah quantas vêzes meu barco ficou à deriva. Quantas vêzes deixei que o vento o levasse. Quantas vêzes assumi o controle e rumei de encontro aos meus sonhos e desejos.
Hoje, fico de olho na bússola, no vento e no leme.
Poeta será que fiz uns versos?
Bj grande.
Só quem rema na areia sabe o milagre que é deslizar no mar.
Agnaldo, lindo demais o poema!
Beijo.
Boa tarde Agnaldo!
Lindo, porém triste este teu poema....
Remar na areia ,cravar seus remos, não ter rumo....Prefiro ficar a deriva ....onde a onda da vida me levar, lá vou eu.
Mentira... estou com os pés bem fincados no chão... e estou segura.
Bjs de sexta com chuva...
Aaah, um barco sem bússola, sem rumo, à deriva.
Muita vez, já naveguei eu, nele!
Ai, que o pavor é grande, que a alma treme, que o grito entala na garganta.
No entanto, passado o pesdelo, é preciso muito esforço, pra que eu dele me lembre ...
Felizmente!
Adorei o seu poema, meu querido amigo Agnaldo!
Grande abraço, impregnado com o olor da admiração!
Cecile,
Concordo com você; o mar mereceria um dicionário só dele. Com palavras em vagas, se elevando e espumando nossos olhos de beleza branca.
Também gosto de ficar observando o mar horas a fio, porque ele nunca é o mesmo, embora pareça imutável.
E a história que você ouviu é muito sábia, uma analogia maravilhosa. Rica.
Obrigado pelo beijo de sexta;
Super beijo de sábado amanhecendo.
Eliane querida,
Você sempre faz poesia. Prosa poética. Lirismo não está necessariamente na maneira de arranjar as palavras, mas na forma de expor os sentimentos e sensações, e nesse sentido você dá aulas.
Todos os que receberam a herança interminável da humanidade em seus genes, já provou [ou vai provar] a sensação de algum dia ter estado à deriva. É próprio da raça o perder-se para depois se encontrar... Eu sempre penso - quando me sinto assim - que se não vierem icebergs, nem rochas elevadas, nem ondas bravas demais, meu barco vai seguir ao sabor da corrente, até que se ache, sozinho e siga rumo à nova praia paradisíaca.
E assim vou... Barco. Assistindo seus versos derramados.
Super beijo.
Lara,
E, olha, remar na areia é, muitas vezes, a única saída. Uma maneira de persistir remando quando tudo parece ter secado e as lágrimas não dão conta de molhar o que necessita estar pleno de água.
E vamos indo; remando na esperança.
Super beijo.
Vera do Sul e do sol (embora chova por aí),
Ficar à deriva não é de todo mal. rsrsrsrs... Costumo dizer que quando não há vento nem remos, o melhor a fazer é descansar e deixar que o barco decida o caminho. Uma boa corrente acaba aparecendo (ou um banco de areia nos faz sossegar um pouco).
E, olha, remar na areia tem lá suas virtudes; uma delas é a manutenção da esperança. É o signo de quem não desiste, mesmo que não haja mar...
A propósito da água, você mandou chuva daí para cá. Tivemos uma "chuvaço" ontem no início da noite. Agora tem um sol lindo de manhã de sábado. A chuva limpou a névoa e o dia brilha.
Super beijo ensolarado.
Zélia,
Fernando Pessoa bem disse: "Deus, ao mar, perigos e abismos deu, mas foi nele que espelhou o céu". E eu cerro fileiras com ele. O mar, esse ente misterioso arrasta em suas vagas analogias para a vida.
Curioso que praticamente todos os comentários fizeram alusão à deriva. Pois, olha, vou redundar algo que já devo ter dito: algumas vezes estar à deriva não é de todo mal. Não deter o controle, estar impossibilitado é, de certa maneira, libertador... Acho que, nessas horas, é se deitar nalgum lugar confortável, aproveitar o balanço do barco e deixar que a corrente decida o melhor caminho... Não pode ser assumido como uma decisão constante de vida, mas de vez em quando é bom... É bom, lhe afianço.
Super beijo.
"descobre o fundo nunca descoberto
as areias ali de prata fina;
torres altas se veem, no campo aberto,
de transparente massa cristalina;
quanto se chegam mais os olhos perto,
tanto menos a vista determina
se é cristal o que vê, se diamante,
que ai se mostra claro e radiante."
Camões
Seus versos reluzem, Agnaldo
Neuzza querida,
Camões é covardia. De todo modo me deixou "faceiro", porque, de algum modo, meus versos te remeteram a ele, e isso, cá entre nós, é uma honra.
Super beijo.
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