"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

INSTÂNCIA CADENCIADA



 [Imagem: Eric Fischl - A Corrida
Vídeo: The Wallflowers - Three Marlenas] 

Resisto a tua espada
E à ponta de teus chifres.
Às investidas urgentes
Com que me queres abalroar;
Resisto ao teu ferrão,
Ao teu ranger de dentes.

Só o teu espírito me perfura.

As farpas com que me coses
Têm cores e sentidos;
De modo que me veja, onde antes era alvo,
Inteiramente colorido.
Com cores lancinantes,
Com cores que ouvem e murmuram.

As margens da estrada permanecem calmas.
Pousou a poeira sobre as emergências
E estancou a artéria do tempo, que vazava.
A poeira sobre mim, repousa,
E tudo com que me atacavas
Parece-me inofensivo.

Resisto ao arpão com que me queres encantar,
Não por temê-lo,
Mas por ter certeza que jamais me o acertaria.

Só o teu espírito me perfura.

[Dos: POEMAS RECÉM-NASCIDOS]


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

PÉTALA POR PÉTALA



 [Imagem: Anjo caído - Miguel Angel Eugui
Vídeo: Não vou me adaptar - Arnaldo Antunes e Nando Reis]

Pétala por pétala
Me sublimo
Tanto mais caem-me pétalas
Tanto mais eu as lastimo.

Pétala por pétala
Me desfolho
Até que sobre de mim
Só o que caiba em teus olhos.

Pétala por pétala
Me desgasto
Adiante vão as imagens
Para trás restam os rastros.

Pétala por pétala
Me debulho
Como pombos que, calados,
Debulhassem seus arrulhos.

Pétala por pétala
Bolha e escuma.
Pétala por pétala
Uma por uma.
[Dos: POEMAS RECÉM-NASCIDOS]

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

VOLATILÍSSIMA



[Imagem: Mind pollution - Laura Wächter
Vídeo: Paciência (versão acústica) - Lenine]

A paisagem se dobra no horizonte
Crescendo para o alto.
É um origami assimétrico assustador;
Grotesco e comovente
Como a imagem de uma pastora acalantando com os olhos
Os esqueletos de seus antigos animais.

Sob a abóbada gravitam meus conflitos,
Marimbondos, vespas, corvos enferrujados
Rangendo asas. Zunindo. Crepitando palidamente
Ferrões curvos, contundentes.

Da calma permanece o cheio, as derradeiras notas.

Volatilizada, esvazia o ambiente
Com a pressa própria dos desesperados.

Restam, ainda, inertes e despedaçados,
Os cacos do recipiente que a continha.

[Dos: POEMAS RECÉM-NASCIDOS]