"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

DA SÉRIE: POESIAS INACABADAS


O LEÃO

Sob a manhã de ouro e poeira,
Rasteiro como a savana incandescente,
- Perdido nela – oculto e rei,
O leão lambe as chagas.

As sombras da noite ainda vingam.
Fome, feridas, desassossego,
- Sangue na língua – o próprio sangue,
E a lancinante dor que não se apaga.

O cheiro de carne aguça os dentes,
As garras, o instinto primordial.
E a fome ainda, ainda, e ainda o cansaço.
O peso do tempo é o que o esmaga.

Ruge e urina e esfrega o dorso
Nos troncos antigos das velhas árvores.
Cumpre seu direito, monárquico, ancestral,
Indiferente ao fato de que a vida acaba.

É um rei, sem dúvida, e sangrando
Aguarda, altivo, quem o desafie.
Acercam-se hienas, dispostas, regougando,
Ávidas de tudo, de seu sangue e plaga.

Apenas a morte terá como herança
As fibras gastas e o couro curtido.
Terão de matá-lo antes de comê-lo.
- Um rei não se rende. Um rei não arreda.

Porque a vida se compra é com valentia.
Mesmo que, de resto, sobrem pêlos, ossos.
O sangue negro sobre a terra seca
Será a moeda com a qual foi paga.

E quando, por fim, a savana pressentir,
E o cheiro do sangue atravessar o vento
Irá se curvar, pois o rei foi morto.
Mas não foi vencido. - Um rei não se entrega! -.

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