"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

quarta-feira, 21 de julho de 2010

POEMAS PERDIDOS NO TEMPO


LADO B

                                                 ...Antes eram
pobres,
putas,
e pretos
O esgoto silente e secreto
Correndo a céu aberto,
À noite, à sombra, sob o véu escuridão,
Um tipo velado de corrente escondendo um tipo diferente
De escravidão.
pobres
putas
pretos
O mesmo sobrenome: ladrão.

...Hoje
A modernidade recria
Novos tipos de minoria
Dessas que andam de dia
            e são aceitas aos pedaços,
pretos, pobres e putas
gordos, branquelos, viados
carecas, sapatas e aleijados.
moleques, pivetes, desempregados.
A mesma falsa moral
O mesmo rótulo: anormal.

“Lá vem um preto dirigindo um carrão importado”.

Patrão, ladrão ou empregado?

Um pobre a espreita num restaurante refinado.

Roubo, fome ou lugar errado?

Uma aprendiz de puta chora o leite derramado
                              (Das sarjetas de suas tetas),

No vazio de seu ventre sem um ente desejado.

Chora, a noite, chora, para que as lágrimas varram a sujeira embora
           pretos pobres putas

“chora, noite, chora, enquanto ninguém te escuta!”

...hoje
        a modernidade respira
        um tipo diferente de mentira
                                  chamada evolução.

        pretos pobres putas e viados
        gordos branquelos sapatas e aleijados

Riso fácil entre os dentes
Punhal apertado na mão.
A modernidade se traveste de embuste
Um travesti chamado evolução.
O lábio ri enquanto passa
O comboio dessas sub-raças
O espólio generoso da desgraça
Ardendo em brasa a tolerância carvão.
        Riso entre dentes cortando a roupa
        Punhal cuja ponta se estica a partir da boca
        Destilando ódio, veneno, segregação.

pretos pobres putas viados          branquelos carecas sapatas aleijados
mendigos moleques pivetes desempregados:

gado, gado, gado, gado, gado, gado, gado, gado, gado, gado, gado...

Faz-se o silêncio e o silêncio permanece calado.

é o filho do vizinho que é viado
é do pivete de rua o prêmio do vidro quebrado
e para o desempregado? ao quadrado, ao quadrado,
o jornal de ontem, os classificados, o prato vazio, o portão fechado
o semblante levemente desconfiado, ao quadrado, ao quadrado,
cuidado! (ele pode estar armado).

Faz-se o silêncio e o silêncio permanece inquebrantado.

cego para a menina sem namorado
cego para os corpos avantajados
cego para os humildemente magros
cego para os cabelos rari-ficados
cego para os descorados
cego para os excessivamente corados
cego para os que não são
cego para os que são exacerbados
                           cego para os que não se encaixam
                           no molde pré-determinado
                           perfeito correto justo belo validado
                           aceito permitido bem-vindo corroborado

                                  a modernidade se veste
                                  com uma pele que serve ao mesmo
                                  propósito passado.

cega!
um risinho lacônico, um comentário debochado.

pretos pobres putas viados          branquelos carecas sapatas aleijados
mendigos moleques pivetes desempregados:

gado, gado, gado, gado, gado, gado, gado, gado, gado, gado, gado...

talvez o futuro seja uma incógnita hipotética
e as grandes lições sejam verdades patéticas
talvez nasça um girassol no Atacama
talvez antes disso a terra se consuma em chamas.

Futuro é vento soprado de pleno pulmão
Que move o mundo e as grandes revoluções.
Gente não é gado
Não importa o tamanho do cercado
O pasto, a marca, o cabresto, o arado, o tipo de ração...
Gente é universo que explode,
  inspira, transpira, ferve, vibra, fode,
Gente é mais que roupa, rótulo, posse, aceitação,
Gente é aquilo que pensa.
(A menos que pense que não).

pretos pobres putas viados           branquelos carecas sapatas aleijados
mendigos moleques pivetes desempregados:

pode ser gado, pode ser gado, gado, gado, gado, gado, gado, gado...

Talvez a diferença seja justamente esta
Saber a quanto de gado cada um se presta.

No lado “b” do disco a faixa mais espúria,
O som das patas do gado
Levando no peito o arame farpado,
Cabrestos, rótulos, olhares atravessados,
Deixando de ser gado para ser uma manada em fúria.

Deixando de ser gado para ser semente.

Pretos, pobres, putas e viados,
Branquelos, carecas, sapatas e aleijados,
Mendigos, moleques, pivetes e desempregados:

Gente, Gente, Gente, Gente, Gente, Gente, Gente, Gente...



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