"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

sábado, 3 de outubro de 2009

CONTOS NOTURNOS


ABALA BI!

Alcione era uma estrela. Ninguém cantava como ela, ninguém dançava como ela. Seus shows esgotavam na semana de lançamento.

Cobiçada por homens e mulheres, o vozeirão bethânico acalantava os desejos mais ardentes de uma platéia fidelíssima. Uma Obama blonde, uma Beyoncé dos trópicos, uma Grace Jones de cabelos loiros e anelados que desciam ao meio das costas, além de seus um metro e oitenta e tantos (fora o salto, com o qual praticamente nascera).

Os mais ousados perguntavam, quando a coragem lhes era suficiente, se os cabelos eram seus. “Claro”, respondia (se o bom humor estivesse ligado). “De um jeito ou de outro, são meus, sem dúvida”, e ria mostrando um colar das mais alvas pérolas por detrás dos lábios.

Altiva economizava o que podia para assistir-lhe vez ou outra. Aparecia lá pelas tantas e gritava, nos intervalos: “maravilhosa, poderosa” (coisas de fã). Nutria por ela alguma idolatria, um sentimento místico e uma vontade de se achegar.

E Alcione se deixou. Permitiu a aproximação daquela figura franzina, cuja peruca, visivelmente antiga, carecia de substituição. (Uma estrela generosa, sem dúvida). Não era dada àquele tipo de amizades, mas Altiva Emerenciana Di Vison Di Pollainas Di Buarque Di Camargo Di Mônaco Ballenciaga Vuiton sabia como agradar.

Chás de romã e gengibre, vestidos impecavelmente passados, e tudo sem que Alcione dissesse uma única palavra. Seis meses e já eram amigas de infância.

Contudo as línguas não tardaram a envenenar Alcione. Ela, uma mulher deslumbrante, uma estrela em ascensão, não deveria estar metida com um “veado de quinta”, e Alcione, temendo pela carreira, começou a se fechar para os favores, para as gentilezas de Altiva, até que seu camarim se fechou por completo.

Ressentida, Altiva deixou de frenquentar os shows. Já não se ouvia os gritos de “maravilhosa, nítida, reciclável” na platéia, de forma que os espetáculos voltaram a ser técnicos, justos e burocráticos.

No entanto, a legião de admiradores se enfileirava. Os homens a queriam e as mulheres a invejavam, mas Alcione sentia falta da presença devotada de Altiva. Justo ela, aquela criaturinha pequena que lhe havia confidenciado o maior de todos os seus segredos, seu nome de batismo (e isso sem lhe pedir absolutamente nada em troca), o “veado de quinta” que fazia o melhor de todos os chás de gengibre...

Estava prestes a chamá-la de volta e... Danem-se! Queria uma amiga com quem pudesse se abrir, confessar intimidades femininas... Falar de sua maldita TPM... Tinha saudades de Altiva.

O encerramento de temporada era sempre aquele inferno. Boate lotada, gente de todo tipo. Começou o número sem muito ânimo até pressentir a presença reconfortante da amiga. De fato ela estava lá, escondidinha num canto. No terceiro ou quarto número a viu se achegar para perto do palco e sorriu para ela ao final de um agudo. (Os olhinhos de Altiva escorreram rímel sobre o a maquiagem pesada).

Entusiasmou-se e passou a cantar para a outra. Só para ela. Soltar a voz, tirar da alma, agradecê-la como melhor sabia, cantando.

Enlouqueceu toda a platéia. Empurra-empurra, esbarrões, a primeira garrafa voando e Alcione de olhos fechados, sentindo o poder da música.

Ainda envolvida pela emoção das notas finais ouviu a voz de Altiva, alucinada, gritando como antes: “Abala bi, abala!”. “Tô abalando, amiga, to abalando”, pensou, antes de ouvir o estampido e ir ao chão.

Acordou no hospital doze horas depois. Felizmente o tiro fora de raspão. Livre da morte Alcione assistiu à morte do mito. O tiro não lhe tirara a vida, mas o estrelato. Passara dois centímetros acima da orelha direita e levara consigo a peruca loira.

Olhou para o lado, o quarto frio, a parafernália, a agulha na veia e o soro escorrendo... A máxima humilhação era a camisola verde e a nudez. Estava tudo acabado. Todos já sabiam que Alcione, a estrela, era Alcione o estrela.

Acerca da cama estava Altiva, segurando a peruca loira feito o fizesse a uma divindade. Quando a viu despertar seus olhos se encheram de lágrimas e ela disse: “Eu disse, não disse? Eu avisei: a bala, bi! A bala!”

E Alcione, remoendo um humor do cão limitou-se a responder: “Cala a boca, Osvaldo!”.

6 comentários:

Jullia A. disse...

DAHOISDUHAOSIUDHASOIUH
Genial! GEnial!
Seja bem vindo ao blog! :D
não atualizo diariamente, mas sempre que dá.. ;D
seu texto, Genial!
beijos.

Anônimo disse...

Maravilhoso... Posso copiar e mandar por e-mail para algun s amigos? Genial como só você pode ser!
Beijo

Fernanda Falconi disse...

Como assim eu saí anônima??????????????????????????????????????????????????????????rsrsrsrs

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Júlia, bem-vinda. Espero que goste e se divirta. Que bom que esteja por aqui... Sinta-se em casa.

Grande abraço.

Fefê, estava com saudade, sua pessoa de quinta (seu "veado de quinta" rsrsrsrsrss... Você é uma bicha que deu certo, nasceu mulher, rsrsrsrsrsrs).

Super beijo e muita saudade.

Não deixe de voltar...

Cristina Thomé disse...

Gui, amei!!!! (rsssss....) Beijocas estaladas,poder!

Neuzza Pinheiro disse...

amei!
a gente fica perdido, sem saber bem o que sentir.

grande abraço!