"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

domingo, 5 de julho de 2009

CRÔNICA DO DIA.


MICHAEL, FARAH E PINA.

Uma frase. Tenho tentado cercá-la para não lhe ser injusto nem omitir os méritos de seu autor, contudo minhas pesquisas têm se mostrado infrutíferas. Fico com o pouco que apreendi dela, porque deve dar conta de traduzir o que quero dizer (que me perdoe o autor).

“Não há nada mais triste que uma vida que termina em silêncio, sem que ninguém a assista”.

Ele se tornou um mito. E como é próprio dos mitos, teve uma jornada longa e significativa, em direta oposição à vida, extremamente curta e muito conturbada. Tudo já foi dito sobre Michael Jackson e não serei eu o atrevido que tentará contribuir com algo de novo (aliás, tudo já está exaustivamente repetitivo).

A outra, a pantera, enfrentou sua doença com dignidade até ser vencida por ela. Modelo para as mulheres, fascínio para os homens. Farah Fawcett atravessou décadas arrastando atrás de si o signo da beleza simétrica, mas não serão seus belos olhos ou seus cabelos de ouro que a conduzirá para a imortalidade. Será pela coragem, pela determinação que será lembrada. Para Charlie uma nova missão: encontrar uma substituta para Jill Munroe (embora isso não me pareça possível).

Por último (pela ordem das tragédias) a alemã que reinventou o sentido, a didática, a pedagogia da - a e própria - dança. Desenhava histórias, as contava entre um passo e outro, com a sofisticação que só aqueles que muito entendem de simplicidade conseguem imprimir. Simplicidade sofisticada. Sofisticação simplificada (não há mais como saber). Phillippine era o seu nome, mas o mundo a conhecia como Pina. Pina Bausch.

A frase, aquela exaustivamente buscada, serve para estabelecer contraponto e contrastes. Tão triste quanto o silêncio e a solidão é a exploração desmedida do espólio. A violação do corpo e da alma do morto. Para uns o rápido esquecimento, para outros a exumação pública e a exposição de vícios e fraquezas elementares.

O mundo ainda chora pelo ídolo pop que, segundo se sabe, sedimentou diariamente o próprio caminho para o fim a custa de drogas das mais diversas espécies. (É bem verdade que existem especulações às centenas sobre suas razões e ainda pouca verdade acerca de seus temas finais).

Farah Fawcett, ao contrário, vinha de uma longa cruzada no sentido oposto, manter-se, permanecer, resistir. Pouco se falou, como pouco se fala e em breve nada mais será dito.

E Pina. Sequer esteve próxima de receber cinco minutos de honrarias, se somados todos os canais de televisão. Limitaram-se a ela alguns artigos especializados, mensão nessa ou naquela coluna tida como sofisticada, e o silêncio.

Michael Jackson dominou a cena, pondo ausência e silêncio sobre o túmulo das demais. Seus 51 quilos pesando sobre o mundo inteiro. Mas não foi ele...

É o seguinte: a luta de uma sessentona contra o câncer não vende. Os quarenta anos de revolução no mundo da dança, promovidos por outra septuagenária, proviniente da alemanha, também não vende. O que vende é o cheiro de mistério, as tragédias familiares, a fênix afundada em dívidas tentando se reacender, intrigas envolvendo paternidade duvidosa, mudanças de cor, de rosto, de cabelos. A desgraça, o grotesco definhar de um Peter Pan consumido pelo mito.

Vende. Vende mesmo.

Não fosse pelo respeito à obra eu o estaria odiando, tão figurinha repetida que se tornou. Em vez disso, desconforto e pena. Dele Michael, cuja morte se tornou o maior espetáculo de toda a sua carreira. De Farah, que tombou de pé, sem honrarias posteriores, e de Pina que não chegou a render meia página. O mundo é realmente louco!

Como não quero e nem posso, em nome de meu desconforto e em solidariedade a duas grandes mulheres, desprezar o gigantismo da obra de Jackson, encerro com um desabafo: eu não aguento mais... Parem de repetir essa música. Deixem os mortos em paz... Eu odeio “thriller”.

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