"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

quinta-feira, 23 de julho de 2009

CRÔNICA DO DIA.

O SOFÁ

Tudo em silêncio, só o silêncio que não. Silêncio que não era paz, nem sossego e nem descanso. Estava ocupado demais em se preservar.

Olhou em volta para o amontoado de coisas desordenadas. Sentia-se assim, algo desordenado também. Via-se com imenso novelo sobre o colo e preservava o secreto conhecimento dos mistérios casuais. Mais cedo ou mais tarde a ponta viria e seria capaz de esticar todo o fio, fazer um varal com ele, estender as roupas molhadas e mandar a vida ir.

Mas aquele momento de silêncio pesado comprimia-lhe o peito de forma que respirar... Arfadas, somente arfadas, baforadas – reinvenção de tuberculose crônica, nascida no íntimo. Contaminara toda a casa.

Concluiu que não aprendera corretamente a lidar com a vida prática. Sabia um bocado de alma e de angústia e de segredos internos. Das praticidades, praticamente nada. (Já era muito, aliás). E tinha ainda o fio...

Então foi se estirando sobre os móveis. Ficando para cima de uma poltrona, emendando-se aos tapetes, mimetizando paredes e portas e vidraças e objetos mais. Copulando com o silêncio e se emprenhando.

Até que entraram de repente em sua casa, (depois de muito que havia desaparecido). Encontraram no centro da sala um estranho objeto feito de carne e silêncio. Espécie assimétrica de assento, útil ao local.

Era o seu corpo (mas sem a alma). Belo e grotesco. Um sofá desalmado.

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