"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

segunda-feira, 27 de julho de 2009

CRÔNICA DO DIA.


LETARGIA

Corpo estendido, largado de um lado. Vida que se arrastava por debaixo das portas, feito quisesse vazar. Nata de melancolia empoeirando os móveis. Sentiu-se imergindo vagarosamente para dentro (mas, de onde?).

Dormira mal e mal estavam os sentimentos, as vontades, o ânimo e o vigor. Lembrou-se de haver sonhado com pescarias, com boas pescarias em lugares azuis. (O mundo deveria ser um lugar azul. Azul-turquesa).

Depois olhou para os pés e para as mãos. Hastes perpassavam os primeiros, pondo-lhes raízes nas pontas e na base; e galhos brotavam de suas mãos, com folhas amareladas nas pontas deles.

Poderia se tornar uma daquelas encantadoras árvores do hemisfério norte (daquelas cujas belas folhas avermelhadas estendem a beleza até o chão), mas não. Estava se tornando um fícus ou um jequitibá, ou mesmo um jenipapeiro. (E amarelava, desfolhava-se até o fundo, perpetuando ramos, galhos secos e tristes arranhando o teto e espantando os pássaros).

Vegetal. Musgo sobre os galhos-ombros, casca-pele ressequida. Todos os sinais confirmavam definitivamente o que era, o que se tornara.

“Voilá”: um machado serviria. Uma serra, talvez; o machado sem dúvida. Cortaria o tronco da árvore que se tornara; tombaria de encontro ao despertar. O baque faria voar a folha, o musgo restantes. Vestígios que lhe fariam ver: não eram folhas nem musgo. Era caspa, cabelos e pele morta.

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