"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

sexta-feira, 17 de julho de 2009

CRÔNICA DO DIA.


VENTO

Já assoviam as janelas.

O inverno do nordeste é muito peculiar. Não há frio, apenas chuva. Nos dias chuvosos algumas ruas e (todos) os canais do Recife ficam cheinhos; parece até que o mar avançou, que venceu as rochas do quebra-mar e foi lamber a barra das saias da cidade, lavar os pés dos automóveis.

Mas o que surpreende mesmo é o vento. Entenda bem: sempre venta por aqui, sempre. Entretanto, com o final do inverno chegam ventos raivosos, atrevidos e persistentes. De doer tímpanos e botar em cheque a lucidez.

Encontram frestas por todos os lados e vão se esgueirando, assoviando tristemente dentro delas. Assoviam músicas de esquecer, de loucura, canções d’África, angústias de outros tempos e anseios do por vir.

O que sabem eles, que tanto tentam confessar? Que nomes arrastaram sobre a superfície das águas, roubados de marinheiros saudosos? Varrem toda a casa, violam todos os sons, perseveram ao longo do dia um cantar desesperador, sem palavras e sem sentido, porém agudo.

Mais de um ano; segunda estação de ventos no Recife e ainda assim não me acostumo. É muito sibilo, muito murmúrio, é lamento que não se acaba... Minhas urgências, pequenas alegrias, meu sem fim de coisas por explodir, minha calma exasperada, cozidos no azeite da resignação. (O vento leva para longe meu cheiro de alho... Quisera estar menos temperado).

Um comentário:

Cristina Thomé disse...

Gui, oi! Me inspirei no seu vento e fiz a versão boa do lado de cá. Ficou lindo esse seu texto! Beijo