"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

CRÔNICA DO DIA.


O TANGO

Perdi-me de mim dia desses; a tarde se escorava nas costas dos prédios, escorregando por entre eles e se espichando sobre o mar. Estava na varanda, mas era o mesmo que não estivesse, tão fisgado que fui pelo inusitado. Uma andorinha solitária prenunciava todos os verãos do futuro.

Minúsculo anjo de prata; reluzente se desvendava seu peito branco contra a luz do dia minguante. (Uma ave com peito prateado merece ser comparada a um querubim). Arremetia com força para o muito alto, levando consigo o meu olhar; arremetia e voltava, em rasante de atordoar.

Fiquei nela - sentidos atados; investigava-lhe as manobras na tentativa de entender, compreender mesmo que de passagem as razões de tamanha alegria; já descrente de que alegria e solidão pudessem coexistir.

Depois de algum tempo consegui desvendar-lhe o balé. O motivo era uma mariposa; dançava tango com ela que, desesperada, tentava livrar-se de seu bico. (Um tango... Nenhuma outra canção se prestaria a uma beleza tão urgente, tão avassaladora). A constatação me desanimou...

O anjo argento passou a ser apenas um pássaro faminto. A alegria imotivada nada mais era que fome, que necessidade; a mariposa, não sei.

Findaram num mergulho rumo ao invisível; e para mim a ausência de desfecho. Quisera saber se a fome subjugou a beleza ou se - terminada a dança - entreolharam-se como antigos amantes, cúmplices e exaustos...

Um comentário:

Cristina Thomé disse...

que beleza isso, Gui!

ps.: queria bem estar nessa varanda com você! Te amo!