"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A LAVRA


[Imagem: The harvest - Camille Pissarro
Vídeo: Sodade - Cesária Évora] 

Capinava o mato da lavoura
Enquanto a erva-daninha
Me tomava.
A erva-cipó de querer
O que não sabia
Alastrada em lugar
Dos vasos sanguíneos.
Cortassem-me, seria capaz
De desfolhar pela ferida.

Entregava o lombo ao sol
Dos eitos plantados
Para que secasse a míngua
Meu horto de inquietações em sementeira.
E ele celebrava
Sua fotossíntese.

Até ceder.
Deixar o matagal tomar de conta,
Estando bastante para infestações.

Ultrapassei a cerca.
Desde então verdejo e contamino.

Longe da roça,
Longe da enxada,
Longe da raiz.

Mas sempre temendo que alguém descubra
Onde estou enraizado
E de um golpe só
Limpe a lavoura de mim.

[Dos: POEMAS RECÉM-NASCIDOS]

8 comentários:

Eliane Furtado disse...

Bom dia Poeta.Como foi de feriado?
Enquanto você fica - com seu poema- longe da roça e da enxada, eu fiquei mergulhada na raiz.
Um abraço forte. Obrigada pela mensagem. A coragem está em alta.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Eliane querida,

É isso, a coragem tem de estar sempre armada e bem disposta para a briga, caso contrário a gente perde a alegria e vai vivendo pelas tabelas.

O feriado foi ótimo. Floripa ainda não está dando praia, mas teve um sol maravilhoso, o dia foi sensacional. Não saí de casa, mas aproveitei para escrever, para ver as baías se azularem e comemorarem a chegada do astro-rei.

Super beijo.

Eliane Furtado disse...

Agora vai começar horário de verão. Floripa e rio ficarão mais coloridos e as poesias mais românticas.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Adoro o horário de verão. Tem mais dia para aproveitar...

Quanto às poesias românticas, elas existem, só não têm sido postadas...

Super beijo.

Neuzza Pinheiro disse...

você fala de desenraizamentos,
dessa sensação estranha de não haver mais refúgio
é a desertificação da alma;
me lembra algumas visões de infância: eu plantava feijões
pra ver nascer e assim que as folhinhas apontavam os moleques arrancavam...

um beijo, poeta
e viva Cesaria Evora!

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Neuzza querida,

Os moleques têm arrancado meus feijões da infância. Sinto que tenho um pé em cada barco, um lá e outro no futuro. O presente é a água onde esses barcos se equilibram ou eu tento me equilibrar.

Vez ou outra caio. Caio e quase me afogo na realidade.

Super beijo e viva Cesária.

Anônimo disse...

Intenso como só vc sabe ser, poeta. Que não cortem nenhum bem seu pela raiz, nem pelas pontas; que te cultives inteiramente vívido assim como é.

Beijo!

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Lara,

E se forem cortadas, raízes ou galhos, que brotem, que brotem sempre para que o esquecimento não vença, nunca seja capaz de superar a essência.

Super beijo.