"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

POEMAS RECÉM-NASCIDOS


LÍRICA ESPESSA

Dias em que a existência tem curta alna,
A paz faminta, içada aos chifres de um gnu,
Jejua. Fome análoga à do abaporu
Ou outro bicho de semelhante fauna.

Passado e futuro escapam da palma.
Tenta decifrá-la um feiticeiro hindu,
Mas só enxerga a pele e o tecido cru
Que, ágeis, se dissolvem feito a calma.

Dias em que a quietude se curva ao trauma,
E o sossego tem tez de mandacaru,
Que a inquietação erige seu primeiro iglu
Na ancestral geleira onde não há vivalma.

Dias assim, quando se cala o uirapuru,
Quando os olhos incham, corados em acaju,
E seu canto ausente nos reacende a encauna.

Nesses dias a aflição recria seu tabu.
Imagino-me um homem que, seminu,
Lentamente se despe da própria alma.

5 comentários:

Neuzza Pinheiro disse...

letargia hipotérmica, papoulas diabéticas, ossos moídos...
e agora esse quase soneto feito de gelo, trauma, imagens supra, palavras estranhas...Agnaldo, eu me pergunto sobre a matéria, sobre
os sistemas que te compõem...Você tá bem, o teu corpo tá em ordem?
Enfim...há algum problema físico que vc esteja enfrentando?
Pode ser excesso de cuidado, pode ser um equívoco...mas ando preocupada. Te gosto mucho, poeta. Maior consideração.
beijo

Eliane Furtado disse...

"Dias em que a quietude se curva ao trauma..."
Lindo este poema e seus versos.
De onde vem tanta inspiração? Do reflexo no espelho?
Da alma não é?
Esta semana dura merece um descanso prolongado.
"Dias assim, quando se cala o uirapuru..."
Seja muito feliz neste finde continue poeta!

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Neuzza querida,

Fui reler "Opiário" antes de te responder. A conclusão: não cheguei a conclusão alguma. rsrsrs.

"É de antes do ópio que minh'alma é doente", diz o primeiro verso do poema, e eu concordo, reverentemente.

Minh'alma tem uma moléstia antiga, a inquietação. E nesse momento ando numa crise aguda. rsrsrsrs. Procurando alma nas pedras, carne nos abismos, lirismo nos besouros de esterco.

Esta é uma condição que me agrada, inquietação produtiva, radioativa. Tenho postado menos da metade da produção.

Uma particularidade: este poema (Lírica Espessa) nasceu a partir da imagem de dois versos. Dois apenas, o resto foi um crochê, tecido com os fios de minhas atribulações silenciosas.

De resto está tudo em ordem.

Mas o seu cuidado, o seu cuidado é lindo e comovente.

Beijo suas mãos por isso, sem coragem de te olhar nos olhos.

Lindo, lindo e comovente.

Super beijo.

AGNALDO NO ESPELHO disse...

Eliane,

Cinco por cento é inspiração, os outros noventa e cinco são transpiração.

A alma acende a centelha e eu fico soprando pacientemente para que não se apague. Assim as coisas nascem, especialmente os sonetos e as líricas, porque requerem maior técnica.

Os poemas livres são como têm de ser, livres. Quando apontam não há o que os segurem. São barragens rompidas e saem arrastando tudo.

Enquanto se cala o uirapuru, vamos continuar e fazer um final de semana lindo.

Super beijo.

Neuzza Pinheiro disse...

essa resposta é matéria-prima pra um belo poema, Agnaldo
Minha imaginação voa...fiquei imaginando vc numa crise estranha de hipotensão, ou sei lá, cruzes, viajei...é o meu espírito maternal
e cuidador com as pessoas de quem gosto. Fico feliz em saber que é tudo produto da minha imaginação.
Quando às crises de alma...que doa muiiiito! É daí que vc manda esses versos que me comovem tanto
beijo, querido