"PORQUE NARCISO ACHA FEIO O QUE NÃO É ESPELHO" (Caetano Veloso).

terça-feira, 7 de julho de 2009

CRÔNICA DA TARDE.


BRECHÓ

A velha se confunde com os cacarecos que vende. Poderia não ser, contudo é; é, mesmo porque não se esforça nada para deixar de ser coisa, de ser também um objeto. Há bolor em suas palavras e mofo sobre seu olhar de pouca simpatia. Humor gasto, carcomido, empoeirado a valer.

Tudo em promoção, faz questão de ressaltar. A pechiché de mil e quinhentos, sai por mil, “porque quero passar o ponto”. Também vale para pratas, faianças. Do que é seu, tudo tem cinqüenta por cento de desconto, até os quadros (exceto um, que é de um homem que pede mais de milhão por ele. Já se viu? Ô bicho besta!) e o que mais eu queira.

Pensei em regatear um belo achado; não avancei! Somadas as idades de cada objeto a venda, o resultado atravessaria todos os papados e iria ter com Pedro. E eu pesado, somando-me a eles, prestes a completar anos...

Buscava algo que pudesse ser transformado, reinventado. Que eu botasse a mão, algum enfeite, um pouco de pano úmido e se tornasse novidade.

“Tudo é pela idade, meu filho. Quanto mais velho, mais caro”. Explicou-me ela, um pouco ressentida por não fazer parte das contas. É...

O tempo se incumbe. Vai comendo tudo. A velha, as ilusões... (Cupim danado). Resistir é o que resta, para se tentar amealhar algum bom preço.

Mas eu saí sem nada. Sem nada, não! Com uma dúvida: e meu coração usado, perto de 35 anos, quanto vale?

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